Sem murmurações,
julgamentos e desprezo
Na segunda-feira da 12ª Semana do Tempo
Comum, ouvimos a passagem do Evangelho de Mateus (Mt 7,1-5).
Iluminadora é a “Conferência sobre o julgamento do próximo”, escrita por São Doroteu de Gaza (séc. VI), para a reflexão desta passagem do Evangelho.
“Irmãos, se recordarmos bem as sentenças
dos santos anciãos e as meditamos sem cessar, difícil será que pequemos ou que
sejamos negligentes.
Se como eles nos dizem, não
menosprezarmos o pequeno e aquilo que julgamos insignificante, não cairemos em
faltas graves. O repito sempre a vocês. Por coisas ligeiras, como dizer por
exemplo: ‘O que é isto? O que é aquilo?’, nasce um mau hábito na alma, e
se começa a desprezar inclusive as coisas importantes. Percebem quão grave é o
pecado que se comete ao julgar o próximo? O que há de mais grave? Existe algo
que Deus deteste tanto e do qual se afaste com tanto horror?
Os Padres disseram: ‘nada é pior do que
julgar'. E, contudo, é por estas coisas que se dizem ser de pouca importância,
que se chega a um mal tão grande. Se admite uma ligeira suspeita contra o
próximo, se pensa: ‘O que importa se escuto o que tal irmão diz? O que importa
se também eu digo somente esta palavra? O que importa se vejo o que vai fazer
aquele irmão ou aquele estranho?’, e o espírito começa a esquecer os seus
próprios pecados e a ocupar-se do próximo. Daí vem os juízos, murmurações e
desprezos, e finalmente se cai nas faltas que se condenavam.
Quando alguém é negligente, a respeito
de suas próprias misérias, quando alguém não chora a sua própria morte, segundo
a expressão dos padres, não pode corrigir-se nunca, porque se ocupa
constantemente do próximo. Entretanto, nada irrita tanto a Deus, nada despoja
ao homem e lhe conduz ao abandono, como fato de murmurar do próximo, de
julgá-lo e de desprezá-lo.
Murmurar, julgar e desprezar são coisas
diferentes. Murmurar é dizer de alguém: ‘aquele mentiu’, ou: ‘enraivecer-se’,
ou: ‘fornicou’. Ou outra coisa semelhante. Se murmurou dele, ou seja, se falou
contra ele se revelou seu pecado, existe impulsos da paixão.
Julgar é dizer: ‘aquele é um mentiroso,
colérico, fornicário’. Eis aí que se julga a própria disposição de sua alma e
se aplica a sua vida inteira, dizendo que ele é assim, e se lhe julga como tal.
Isto é grave. Porque uma coisa é dizer: ‘encolerizou-se’, e outra coisa: ‘é
colérico’, pronunciando-se desta forma sobre toda a sua vida.
Julgar ultrapassa em gravidade a todos
os pecados, de modo que Cristo mesmo disse: ‘Hipócrita, tira primeiro a
trave do teu olho, e então poderás tirar o cisco do olho do teu irmão’. A
falta do próximo a comparou com um cisco, e o juízo uma trave, pois o julgar é
muito grave, mais grave talvez que cometer qualquer outro pecado.
O fariseu que orava e dava graças a
Deus por suas boas ações, não mentia; mas dizia a verdade; não foi condenado
por isso. Na realidade devemos dar graças a Deus pelo bem que Ele nos concede
realizar, já que é com a Sua ajuda e Seu auxílio.
Desta forma, ele não foi condenado por
ter dito: “Não sou como os demais homens’; não. Foi condenado quando,
voltando-se para o publicano, acrescentou: ‘nem como esse publicano’.
Foi então quando se tornou gravemente culpado, porque julgava a própria pessoa
do publicano, as próprias disposições de sua alma, em uma palavra: sua vida
inteira. Por isso, o publicano partiu dali justificado e ele não. Não há nada
mais grave, nada mais prejudicial, e o digo com frequência, que julgar ou
desprezar ao próximo”.
À luz da Conferência, reflitamos sobre
os nossos relacionamentos cotidianos, e o quanto também podemos incorrer em
graves murmurações, julgamentos e desprezos, tornando desagradáveis a Deus
nossas palavras e orações.
Antes, é preciso que nos voltemos para
nossa própria “miséria”, como o autor mesmo afirma, e sintamos a necessidade da
misericórdia divina, sem nos tornarmos parâmetros de santidade e salvação para
o outro.
É sempre tempo de aprendermos a viver a
misericórdia, compadecendo-se com fragilidade do nosso próximo, o que não é
sinônimo de conivência, cumplicidade.
A misericórdia divina não se afasta da justiça, tão pouco da verdade, não exclui nem elimina o pecador, mas abomina o seu pecado.
Urge que aprendamos e vivamos a
misericórdia querida por Deus, a fim de que sejamos misericordiosos como o Pai
(Lc 6, 36), e tão somente assim, nossas orações se tornarão agradáveis e
chegarão ao coração de Deus, sendo por Ele ouvidas, e assim, alcançaremos
a justificação.
(1) Lecionário Patrístico Dominical –
Editora Vozes – 2013 – pp.741-743
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