sexta-feira, 25 de abril de 2025

Conversão e fidelidade ao Senhor

Conversão e fidelidade ao Senhor

À luz da passagem do Profeta Isaías (Is 55,1-11), proclamada na terça-feira da primeira semana do Tempo da Quaresma, refletimos sobre os pensamentos de Deus, que não são como os pensamentos dos homens.

O Senhor nos fala pelo Profeta: "Meus pensamentos não são os vossos pensamentos; vossos caminhos não são os meus caminhos".

Trata-se de um pequeno trecho do “Livro da Consolação”, que retrata a fase final do exílio (anos 550-540 a.C.).

De fato, a lógica de Deus é diferente da lógica dos homens; às vezes, oposta e inconciliável com ela, embora sempre superior, pois se trata da lógica da gratuidade e do amor, doação, partilha e serviço, graça sobre todos derramada.

Reencontrar com o Senhor implicará, portanto, na necessária abertura, conversão, desejo sincero de mudança e fidelidade. 

Conversão é sempre o eterno recomeço e, para tanto, é preciso coragem e confiança. Conversão é, por natureza, um processo inacabado, que exige a escuta da Palavra de Deus, acompanhada da reflexão, da oração e da captação da vontade divina, para viver na mais bela, perfeita e desejada sintonia com Ele, na certeza da felicidade.

Deste modo, voltando terão que retomar o Projeto de Deus, em atitude de conversão e fidelidade ao Senhor e aos Seus Mandamentos.  

O Povo de Deus encontra-se farto de belas palavras e promessas de libertação, que tardam em se realizar, e com isto a impaciência, a dúvida e o ceticismo enfraquecem a resistência dos exilados.

O Profeta, para evidenciar a eficácia da Palavra de Deus, utiliza o exemplo da chuva e da neve que, vindas do céu, tornam fecunda a terra, multiplicando a vida nos campos.

Uma imagem muito sugestiva, considerando que os judeus exilados na Babilônia devem se lembrar da chuva que cai no norte de Israel e da neve no monte Hermon. A água alimenta o rio Jordão, correndo por todo Israel, e por onde passa gera vida e fecundidade.

A mensagem central é que a Palavra de Deus não falha, pois indica sempre caminhos de vida plena, verdadeira, expressa na liberdade e paz sem fim, não necessariamente segundo a lógica do tempo dos homens, dos seus desejos, projetos, interesses e critérios.

É necessário que se aprenda e respeite o ritmo e o tempo de Deus. E também, a eficácia da Palavra divina não dispensa compromissos e indica os caminhos que devem ser percorridos, renovando o ânimo para a intervenção no mundo. A Palavra divina não adormece a ação humana, mas impele para a transformação e renovação do mundo.

Como Povo de Deus, jamais poderá ter a pretensão de reduzir Deus aos próprios esquemas, ao contrário. É preciso organizar a vida  segundo os critérios e desígnios divinos, se necessário prescindir das certezas possuídas, preconceitos e autossuficiências.

É preciso confiar plenamente na bondade de Deus, trilhar Seu Caminho que conduz a uma história de Salvação e Vida.

Esta passagem muito nos ajuda na compreensão da cultura pós-moderna que comete um erro com consequências funestas: o prescindir de Deus.

Anuncia-se a morte de Deus, e que Seus valores não permitem ao homem potencializar suas capacidades e ser verdadeiramente feliz.

Urge que nos coloquemos nesta atitude de abertura e conversão aos desígnios divinos, para que reencontremos sempre o caminho da autêntica realização, da vida plena e da felicidade.

Uma fé autêntica nos compromete com o Reino

Uma fé autêntica nos compromete com o Reino

Refletir sobre a virtude da esperança é sempre oportuno e necessário. Muito mais que um tema, é um impulso que não nos permite acomodações, morosidades, recuos, sobretudo na vida de fé e na prática da caridade, enquanto participamos e esperamos um novo céu e uma nova terra, como tão bem expressam os autores sagrados.

Há uma esperança, com matiz messiânico, mais radicada em nós do que julgamos ou percebemos,  e esta é alimentada pelo desfalecimento e pela angústia que sentimos perante um mundo marcado por contradições, tragédias e mortes, e é mantida viva pela expectativa ansiosa da intervenção de alguém que o possa mudar radicalmente.

Quando visitamos a História percebemos que cada época teve o seu messianismo.

Com o Renascimento, havia convicção de que tinha acabado com o sono medieval, com um milênio marcado pela ignorância e pela barbárie, e tinham dado início à idade de ouro, com a recuperação dos autores clássicos.

Sucedeu um novo messianismo, o messianismo da ciência, criadora de progresso e desenvolvimento. Era a solução de todos os problemas, exceto o da morte.

O século XVII ficou marcado pelos iluministas que estavam persuadidos de terem acendido a luz da razão, depois de séculos de escuridão, em que os homens se tinham deixado guiar acriticamente por verdades reveladas pelo Céu e traduzidas em dogmas.

No século passado, foi o ápice dos messianismos ideológicos da justiça, da liberdade e da democracia, todos portadores de instâncias humanizantes, até pretenderam um culto divino, mas tornando-se ídolos, voltou-se contra o próprio homem.

Mas todas as ideologias tendem a passar, a se autocorrigir, a autogerar algo novo, e assim pode-se ficar à espera de um Salvador.

A necessidade de mudança provoca em alguns a impaciência, que leva facilmente ao fanatismo e ao recurso à violência, sobretudo quando movidos por um fundamentalismo exacerbado.

Noutros casos causa resignação, levando a dobrar-se sobre os seus limitados interesses privados.  

Para quem professa a fé em Jesus, vê n’Ele um Messias que surge todas as vezes que os sábios, os vencedores, os dominadores deste mundo são obrigados a declarar sua falência.

Cremos n’Ele e em Sua proposta de um Reino de paz e de justiça que, segundo a sabedoria do mundo, não se realizará jamais, mas já podemos experimentar em pequenos sinais de amor e solidariedade.

Como discípulos missionários do Senhor, seguidores da Boa Nova de Jesus, o Sublime Mestre e Salvador, o Messias de Deus, cremos e temos esperança de que o mundo novo será, certamente, levado a cumprimento, porque para Deus nada é impossível.

Que o Magnificat, cantado por Maria, seja sempre por nós cantado e, assim, nos inspire sempre a buscar este mundo novo que ela profeticamente descreve.

A esperança cristã depositando sua confiança em Deus não permite verticalismos que nos levem a descompromissos e tão poucos horizontalismos que não deixem espaço para o Mistério de Deus que ultrapassa toda capacidade de compreensão e descrição. 

Aristóteles afirmava que a esperança é o sonho acordado. Relendo e parafraseando, concluo dizendo que a esperança é a caridade acordada e vivida, movida pelas razões de nossa fé no Senhor, em quem depositamos plena e permanente confiança. 

Virtudes divinas vividas para vencer as turbulências


Virtudes divinas vividas para vencer as turbulências

Estamos numa barca, e os ventos são assustadores. Inquietos, recolhidos, revendo atitudes, valores, passos dados. Tempo de se rever como se vivia, para novos caminhos redescobrir.

São lições que estamos todos aprendendo, por um preço muito alto: vida de tantos e tantas, assim como a vida de nossa casa comum.

Tempo de revigorar a fé em nosso coração, de renovar o mais profundo de nós e plenificar o coração do absolutamente essencial: o amor, o amor que jamais passará.

Reflitamos sobre as virtudes divinas que nos ajudam nesta travessia em meio às turbulências a serem enfrentadas, conscientes de que estamos todos na mesma barca, e o Senhor conosco e nos diz – “Por que sois tão medrosos, ainda não tendes fé?” (Mc 4, 35-41).

Passagem do Evangelho -  Lc 17,5-6: sobre a virtude da fé:
“Os apóstolos disseram ao Senhor: ‘Aumenta a nossa fé!’ O Senhor respondeu: ‘Se tivésseis fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria”.

Todo o tempo e de modo especial neste tempo, temos que testemunhar nossa fé, confiantes na Palavra do Senhor, e crer na  onipotência do amor de Deus e de seu poder, que veio, vem e virá sempre ao nosso encontro, por meio do Seu Espírito.

Tempo de crer no melhor de Deus para todos nós, pois Deus é fiel à Sua Aliança de amor com a humanidade, e nunca nos abandonou e jamais nos abandonará.

Deus que tanto nos ama, espera que nos voltemos para Ele de coração puro e sincero, reconciliados com Ele e conosco, em novas relações mais humanas, justas, simples, fraterna; sem marcas de egoísmo, inveja, maldade, arrogância, prepotência, petulância que tão apenas nos afastam da vida e da felicidade querida por Ele para todos nós.

Passagem da Sagrada Escritura - (1 Pd 3,15): sobre a virtude da esperança:

“Antes, ‘santificai o Senhor Jesus Cristo’ em vossos corações e estais sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir”.

Esperança como virtude divina, jamais poderá ser compreendida com uma espera passiva, mas acompanhada de sagrados compromissos no testemunho da fé, em gestos multiplicados de amor, a virtude maior que nos conduz.

Esperança, portanto, é somar com o outro para o milagre do amor multiplicar; ousar na busca do inédito do melhor de Deus para todos nós; é não desistir jamais dos sonhos, das metas, das utopias, da alegria da contemplação do Reino já presente no meio de nós.

Passagem da Sagrada Escritura – 1 Cor 13, 1-13 – sobre a virtude divina do amor:

“Se eu falasse as línguas dos homens e a dos anjos, mas não tivesse amor; eu seria como um bronze que soa ou um címbalo que retine...”

O Apóstolo nos apresenta o Hino ao amor-caridade, que a humanidade tem que reaprender e está reaprendendo, sobretudo neste momento tão obscuro, inquietante que a todos nos envolve.

É tempo de acolhermos e vivermos a essência da fé cristã, o novo Mandamento do Amor que Nosso Senhor nos ordenou:

“Eu vos dou um novo Mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns para com os outros”. (Jo 13, 34-35).

Sigamos em frente, iluminados e fortalecidos pelas palavras divinas fazendo nossa travessia, ora em mar agitado, ora deserto. Ambas as imagens representam bem o momento que todos estamos vivendo.

Se em mar agitado, ventos e tempestades não serão capazes de nos naufragar; urge que tenhamos fé na Palavra e Presença do Senhor, que dá sentido à nossa esperança e nos envolve com seu amor e sua presença por meio do Seu Espírito, enviado pelo Pai, em Seu nome.

Se no deserto, provação, aridez, privação se fizerem presentes,  tenhamos fé, supliquemos ao Senhor o colírio da fé, para ver o amanhecer com esperança, fazendo cada dia um tempo favorável e irrenunciável para amar, solidarizar e novas relações com o outro e com o planeta estabelecer. O Senhor sempre nos concederá um oásis, para saciarmos nossa sede de água viva de amor, vida e paz.

Mar ou deserto, Ele está conosco: coragem! Tenhamos fé, esperança e caridade.

Um refrão para concluir:

“Eu confio em Nosso Senhor, com fé, esperança e amor...”

PS: Escrito em abril de 2020

Se contiveres... Se não contiveres...


Se contiveres...
Se não contiveres...
 
Se contiveres os sentimentos que te fazem sentir-se inferior,
Não te sentirás incapacitado e subjugado aos clichês impostos.
 
Se contiveres os sentimentos que te fazem recuar na vida de fé,
Não te curvarás, nem tão pouco te deixarás dominar pela incredulidade.
 
Se contiveres os sentimentos que te fragilizam,
Lançar-te-ás, intrepidamente, em busca de tuas vitórias.
 
Se não contiveres as lágrimas, permitindo que elas caiam naturalmente,
Saberás o que é tristeza e alegria, perda e vitória, afeto ou sua ausência...
 
Se não contiveres os sonhos, correrás atrás de seu conteúdo,
Pés fincados no chão da historicidade própria, sem ilusões.
 
Se não contiveres mágoas, lembranças indesejáveis, eternos lamentos,
Romperás as correntes que te fazem infeliz, despojando-te do peso desnecessário.                           
 
Se contiveres...
Se não contiveres...
 
Sempre haverá algo a conter, senão a ruína;
Em outros casos, nada conter para o êxito.
 
Cada alma, cada história é um emaranhado maravilhoso,
Uma complexidade de relacionamentos, sentimentos, desejos.
 
Que o Espírito do Senhor nos dê a Divina Sabedoria,
Para que saibamos o que é preciso conter ou não. 
Amém.
 

O encontro com o Senhor deu novo sentido à nossa vida

O encontro com o Senhor deu novo sentido à nossa vida

A passagem da Segunda Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios (2 Cor 5,14-17), nos apresenta o amor de Deus, que não nos abandona  e, por meio de Jesus, nos dá a vida nova.

De fato, Deus não é indiferente, mas interveniente em nossa história, porque nos ama, e está presente ao nosso lado, indicando-nos o caminho da vida plena e feliz: Homens Novos e Nova Humanidade.

O Apóstolo, embora não tenha conhecido o Jesus histórico, fez a experiência do amor de Cristo Ressuscitado e deixou-se absorver por esse Amor, que o impeliu na missão, com coragem, ousadia e total fidelidade, até o extremo, no martírio.

Paulo consome-se em comunicar este Amor de Cristo a todas as pessoas, em todos os lugares, por isto é reconhecido como Doutor e Evangelizador das nações. E esta é a Boa-Nova que o absorve completamente:

“Cristo morreu por todos, a fim de que os homens, aprendendo a lição do amor que se dá até as últimas consequências, deixassem a vida velha, marcada por esquemas de egoísmos e de pecado. Contemplando o Cristo que oferece a Sua vida ao Pai e aos irmãos, os homens não viverão, nunca mais, fechados em si mesmos, mas viverão, como Cristo, com o coração aberto a Deus e aos outros homens”. (1)

Reflitamos:

- Qual é a profundidade de nosso amor por Jesus?
- Quando se deu este encontro?
- Como O anunciamos e O testemunhamos?

Este encontro que o Apóstolo fez com o Senhor, é o mesmo que fizemos e que mudou a nossa vida, redimensionou nossos horizontes, como tão bem expressou o Papa Bento XVI:

Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”.




A insustentabilidade dos horizontes fragmentários

A insustentabilidade dos horizontes fragmentários

“Qual é o lugar que concedemos a Deus na nossa vida? Na cultura contemporânea está presente um indubitável processo de marginalização da fé. Deus parece não ter muito a dizer acerca das últimas esperanças, sob re projetos decisivos.

Talvez porque, fechados em horizontes fragmentários, renunciamos a estabelecer metas de grande fôlego. Eis que a realidade religiosa é reduzida a um mero adorno, a objeto de dissertação
pseudo-intelectual, a mera curiosidade...”

Os dias passam velozmente ou as atividades nos envolvem plenamente?
Quando damos conta, foi-se o dia, a semana, o mês e mais um ano.
O que fizemos ou deixamos de fazer corroem nossa mente e coração:
A visita que não foi feita, a atenção que não se deu, a promessa que não se cumpriu, a meta pela qual não se aplicou como deveria....
O contato adiado, bloqueado, congelado para quando o tempo se multiplicar.
Mas o tempo não se multiplica, é sempre o mesmo tempo. O que com ele fazemos?

Às vezes não dando conta dos horizontes fragmentários e sua insustentabilidade, com projetos para um dia, planos para agora, sem mesmo a mínima projeção.

Vive-se para o tempo chamado momento, com a perda da linha da história, logo esvaziamento.

Mas bem diferente é o que Deus de nós espera:
Que tenhamos metas, sonhos, projetos, perspectivas.

Confiança, perseverança, entrega, empenho, determinação, concretização...
Horizontes fragmentários hão de ceder lugar a horizontes mais plenos e completos.

Contemplemos a próxima existência individual (eternidade), social (um mundo novo possível) e cósmica (planeta e a ética do cuidado).

Cessem os horizontes fragmentários!
Inauguremos horizontes mais universais.
Rompamos todo egoísmo, derrubemos eventuais máscaras,
Redescubramos em cada ser a divina presença.

Há perspectivas. Ainda há sonhos. Ainda há quem não ceda e multiplique pesadelos.

Há quem olhe para o mundo com olhar de poeta e coração de profeta. Sem medo e com ousadia; sem deserções e malévolas covardias...

É o tempo por Deus dado. É o tempo por nós a ser vivido e preenchido, dando a cada segundo um quê de beleza e sentido.

Não haverá fragmentários horizontes para quem do Verbo se nutre no Pão da Eucaristia, porque iluminado por uma indispensável Palavra que transforma trevas na mais bela luz do dia.

Há saídas, há perspectivas... 
Não nos entreguemos, 
Irmanemo-nos.

Erradiquemos todos os ruídos que destroem o silêncio da alma.
Não apenas tenhamos saudades do Éden (o que de nada adiantaria),
É preciso redescobri-lo, construí-lo, enquanto ainda é dia...

É preciso pensar global e agir local.

À luz da fé que professo: pensar globalmente sob a inspiração do Espírito, na fidelidade ao Deus Único que nos criou e por tanto em nós confiar, prolongadores da ação do Verbo, agir localmente, em pequenos e grandes compromissos inauguradores de novos horizontes não mais fragmentários, mas que abrace a tudo e a todos.

Em poucas palavras...

 


“Quem poderia ser este próximo senão o próprio Salvador?”

“Quem poderia ser este próximo senão o próprio Salvador? Quem mais do que Ele teve piedade de nós que estávamos para ser mortos pelos dominadores deste mundo de trevas com as muitas feridas, os medos, as paixões, as iras, as dores, os enganos, os prazeres? 

De todas estas feridas o único médico é Jesus. É Ele que derrama sobre nossas almas feridas o vinho que é o sangue da videira de Davi; é Ele que doa copiosamente o óleo que é a piedade do Pai.” (1)



(1)              Clemente Alexandrino, Quis dives, 29

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG