segunda-feira, 11 de novembro de 2024

“Entranhas de misericórdia”

                                                    

                              “Entranhas de misericórdia”

Das Cartas de Sulpício Severo, temos um breve relato deste luminar da fé, o Bispo São Martinho (Séc. V); um homem pobre e humilde, cuja memória celebra-se no dia 11 de novembro.

“Martinho soube com muita antecedência o dia da sua morte e comunicou aos irmãos estar iminente a dissolução de seu corpo.

Entretanto, surgiu a necessidade de ir à Diocese de Candax, pois os eclesiásticos desta Igreja estavam em discórdia. Desejando restabelecer a paz, embora não ignorasse o fim de seus dias, não recusou partir, julgando que seria um excelente fecho de suas obras deixar a Igreja em paz.

Demorou-se por algum tempo na aldeia e na Igreja aonde fora, e a paz voltou para os clérigos. Quando já pensava em regressar ao mosteiro, começaram de repente a faltar-lhe as forças e, chamando os irmãos, disse-lhes que ia morrer.

Diante disto todos se entristeceram grandemente, chorando e dizendo, a uma só voz: 'Por que, pai, nos abandonas? A quem nos entregas, desolados? Lobos vorazes invadem teu rebanho; quem, ferido o pastor, nos livrará de seus dentes?

Sabemos que desejas a Cristo, mas teus prêmios já estão seguros e não diminuirão com o adiamento! Tem compaixão de nós, a quem desamparas!'

Comovido com estas lágrimas, ele que sempre possuíra entranhas de misericórdia, também chorou, segundo contam.

Voltando-se então para o Senhor, respondeu aos queixosos somente com estas palavras: 'Senhor, se ainda sou necessário a Teu povo, não recuso o trabalho. Que se faça Tua vontade'.

Que homem incomparável! O trabalho não o vence, a morte não o vencerá! Ele, que não se inclinava para nenhum dos lados, não temeria morrer e nem recusaria viver!

No entanto, olhos e mãos sempre erguidos para o céu, não abandonava a Oração o espírito invicto; e quando os Presbíteros, que se haviam reunido junto dele, lhe pediram aliviar o frágil corpo, virando-o para o lado, disse:

'Deixai-me, deixai-me, irmãos, olhar para o céu de preferência à terra, para que o espírito já se dirija ao caminho que o levará ao Senhor'.

Dito isto, viu o demônio ali perto. 'Por que estás aqui, fera nefasta? Nada em mim, ó cruel, encontrarás! O seio de Abraão me acolhe'.

Com estas palavras entregou o espírito ao céu. Martinho, feliz, é recebido no seio de Abraão; Martinho, pobre e humilde, entra rico no céu".

Somente um homem assim, um pastor com “entranhas de misericórdia”, poderia ser um grande pacificador.

Somente com entranhas de misericórdia:

- cuida do rebanho não por obrigação externa, mas como expressão de amor pelo Bom Pastor, que quer uma resposta de amor para o cuidado do rebanho;

- envolvidos pelo Amor de Deus, que não se vê, olha para a morte com olhar que a transcende, e por ela passando, um encontro com Deus, Amor pleno e eterno, no céu, junto a todos os que nos precederam, “no seio de Abraão”;

- o que aparentemente é impossível pode ser alcançado, como fez Maria ao conceber o Verbo pela ação do Espírito Santo de Deus, e na esterilidade e idade avançada de Isabel também se viu nascer o maior de todos os Profetas;

- é que não recuaremos do combate da fé, de tal modo que ela será solificada e enraizada na Divina Fonte do Amor, Cristo Jesus.

Partícipes do Banquete do Amor, a Eucaristia, que nosso coração seja  como o coração de São Martinho, com entranhas de misericórdia. Pois, também nos falou o Senhor: “Sede misericordiosos, como vosso Deus é misericordioso!” (Lc 6,36).

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG