segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Terra, teto e trabalho para todos!

                                                       



Terra, teto e trabalho para todos!
 
Retomemos a síntese do discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares, sobretudo quando defrontamos com graves problemas sociais que afligem o mundo.
 
Para o Papa, o encontro de Movimentos Populares é um grande sinal: “Vocês vieram colocar na presença de Deus, da Igreja, dos povos, uma realidade muitas vezes silenciada. Os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela!”
 
Sobre os movimentos populares, disse: “não se contentam com promessas ilusórias, desculpas ou pretextos. Também não estão esperando de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar”.
 
Sobre a palavra “Solidariedade”, conceitua: ela não é uma palavra e nem alguns atos de generosidade esporádicos.
 
A solidariedade “é pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns.
 
Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas.
 
É enfrentar os destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a transformar.
 
A solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de fazer história, e é isso que os movimentos populares fazem”.
 
Vê no encontro a resposta para um anseio muito concreto, o desejo de que todos tenham terra, teto e trabalho:
 
“Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho – isso pelo qual vocês lutam – são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a Doutrina Social da Igreja.”
 
Sobre cada anseio, discorre brevemente acenando para a gravidade e necessidade de caminhos para superação, em sua defesa e promoção, a fim de que ninguém seja excluído do sagrado direito aos três:
 
1 - A Terra: “Preocupa-me a erradicação de tantos irmãos camponeses que sofrem o desenraizamento, e não por guerras ou desastres naturais.
 
A apropriação de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem da sua terra natal.
 
Essa dolorosa separação, que não é só física, mas também existencial e espiritual, porque há uma relação com a terra que está pondo a comunidade rural e seu modo de vida peculiar em notória decadência e até em risco de extinção.
 
A outra dimensão do processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo.
 
A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável. Eu sei que alguns de vocês reivindicam uma reforma agrária para solucionar alguns desses problemas, e deixem-me dizer-lhes que, em certos países, e aqui cito o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, "a reforma agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral" (CDSI, 300).
 
2 – O Teto: uma casa para cada família.
“Hoje há tantas famílias sem moradia, ou porque nunca a tiveram, ou porque a perderam por diferentes motivos. Família e moradia andam de mãos dadas.
 
Mas, além disso, um teto, para que seja um lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente no bairro onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a partir do mais imediato, a partir da convivência com os vizinhos.”
 
Há eufemismos que escondem a triste realidade (falta de moradia, injustiças, miséria, fome...). Atrás de cada eufemismo há um crime, afirma o Papa.
 
“Vivemos em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários... mas abandonam uma parte de si nas margens, nas periferias.
 
Como dói escutar que os assentamentos pobres são marginalizados ou, pior, quer-se erradicá-los! São cruéis as imagens dos despejos forçados, dos tratores derrubando casinhas, imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje.”
 
Exorta que se favoreça para que todas as famílias tenham uma moradia, e para que todos os bairros tenham uma infraestrutura adequada (esgoto, luz, gás, asfalto, escolas, hospitais ou salas de primeiros socorros, clube de esportes (e todas as coisas que criam vínculos e que unem), acesso à saúde; à educação e à segurança, favorecendo a integração autêntica e respeitosa, espaços de sadias convivências).
 
3 – O trabalho:
 
Para o Papa, não existe pior pobreza material do que a que não permite ganhar o pão e, assim, privando da dignidade do trabalho.
 
Menciona o desemprego juvenil, a informalidade e a falta de direitos trabalhistas que não são inevitáveis, porque são o resultado de uma prévia opção social, de um sistema econômico que coloca os lucros acima do homem, se o lucro é econômico, sobre a humanidade ou sobre o homem, são efeitos de uma cultura do descarte que considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que pode ser usado e depois jogado fora.
 
Lembra um ensinamento (aproximadamente ano 1200) que merece ser citado:
 
“Um rabino judeu explicava aos seus fiéis a história da torre de Babel e, então, contava como, para construir essa torre de Babel, era preciso fazer muito esforço, era preciso fazer os tijolos; para fazer os tijolos, era preciso fazer o barro e trazer a palha, e amassar o barro com a palha; depois, cortá-lo em quadrados; depois, secá-lo; depois, cozinhá-lo; e, quando já estavam cozidos e frios, subi-los, para ir construindo a torre.
 
Se um tijolo caía – o tijolo era muito caro –, com todo esse trabalho, se um tijolo caía, era quase uma tragédia nacional. Aquele que o deixara cair era castigado ou suspenso, ou não sei o que lhe faziam. E se um operário caía não acontecia nada. Isso é quando a pessoa está a serviço do deus dinheiro...”
 
Em seguida, fala da gravíssima cultura do descarte de crianças, jovens e idosos. 
 
Denuncia a existência de uma terceira guerra mundial em cotas: “Há sistemas econômicos que, para sobreviver, devem fazer a guerra.
 
Então, fabricam e vendem armas e, com isso, os balanços das economias que sacrificam o homem aos pés do ídolo do dinheiro, obviamente, ficam saneados. 
 
E não se pensa nas crianças famintas nos campos de refugiados, não se pensa nos deslocamentos forçados, não se pensa nas moradias destruídas, não se pensa, desde já, em tantas vidas ceifadas. Quanto sofrimento, quanta destruição, quanta dor.
 
Também aborda a questão da Paz e da Ecologia: “não pode haver terra, não pode haver teto, não pode haver trabalho se não temos paz e se destruímos o planeta.
 
São temas tão importantes que os Povos e suas organizações de base não podem deixar de debater. Não podem deixar só nas mãos dos dirigentes políticos.
 
Todos os povos da terra, todos os homens e mulheres de boa vontade têm que levantar a voz em defesa desses dois dons preciosos: a paz e a natureza. A irmã mãe Terra, como chamava São Francisco de Assis.”
 
Hoje, queridos irmãos e irmãs, se levanta em todas as partes da terra, em todos os povos, em cada coração e nos movimentos populares, o grito da paz: nunca mais a guerra!”
 
Denuncia um sistema econômico centrado no deus dinheiro que também precisa saquear a natureza, saquear a natureza, para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente:
 
“As mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, o desmatamento já estão mostrando seus efeitos devastadores nos grandes cataclismos que vemos, e os que mais sofrem são vocês, os humildes, os que vivem perto das costas em moradias precárias, ou que são tão vulneráveis economicamente que, diante de um desastre natural, perdem tudo”.
 
Anuncia a preparação de uma Encíclica sobre Ecologia que vai aprofundar questões como estas que não nos permite indiferença:
 
“Falamos da terra, de trabalho, de teto... falamos de trabalhar pela paz e cuidar da natureza...
 
Mas por que, em vez disso, nos acostumamos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam tantas famílias, se expulsam os camponeses, se faz a guerra e se abusa da natureza?
 
Porque, nesse sistema, tirou-se o homem, a pessoa humana, do centro, e substituiu-se por outra coisa. Porque se presta um culto idólatra ao dinheiro. Porque se globalizou a indiferença! Se globalizou a indiferença.
 
O que me importa o que acontece com os outros, desde que eu defenda o que é meu? Porque o mundo se esqueceu de Deus, que é Pai; tornou-se um órfão, porque deixou Deus de lado.”
 
Apresenta um guia de ação, um programa revolucionário: as Bem-Aventuranças, (cf. Mt 5, 1-12; Lc 6, 20; Mt 25, 30-46).
 
É preciso promover a cultura do encontro que é tão diferente da xenofobia, da discriminação e da intolerância, com o necessário aprendizado do “caminhar juntos":
 
A perspectiva de um mundo da paz e da justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos exige criar novas formas de participação que inclua os movimentos populares e anime as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com essa torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum. E isso com ânimo construtivo, sem ressentimento, com amor.”
 
Acena para que não haja mais nenhuma família sem moradia, nenhum agricultor sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho permite.
 
Finaliza dando a bênção, exortando para que se siga na luta, e entrega uma recordação, alguns rosários que foram fabricados por artesãos, papeleiros e trabalhadores da economia popular da América Latina.
 
Convida-nos à firme esperança, com renovados compromissos, sem desânimo e desilusão, a fim de que todos tenham direito a terra, teto e trabalho.
 
Sejamos, portanto, iluminados pela mensagem e nos unamos com todas as pessoas que não medem esforços para que referidos direitos sejam alcançados, a fim de que tenhamos uma nova realidade, sem marginalizações e exclusões, prefigurando o sinal do Reino de Deus entre nós.


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