A
dimensão ilimitada do perdão
Sejamos
enriquecidos pelo Sermão n.139 escrito por São Pedro Crisólogo (séc. V), bispo
e doutor da Igreja.
“Assim
como o ouro fica escondido na terra, assim também o sentido divino se oculta
nas palavras humanas. Por isso, sempre que nos é proclamada a palavra
evangélica, a mente deve colocar-se alerta e o espírito deve prestar atenção,
para que o entendimento possa penetrar o segredo da ciência celeste.
Digamos
por que o Senhor começa hoje com estas palavras: Tenham cuidado, se teu irmão te ofende, repreende-o, se ele se
arrepende, perdoa-o.
Coragem,
irmão! Deus te ordena: perdoa, perdoa os pecados; sê misericordioso frente ao
delito, perdoa as ofensas de que fostes objeto, não percas agora os poderes
divinos que tens; tudo o que tu não perdoares em outro, o negas a ti mesmo.
Repreende-o
como juiz, perdoa-o como irmão, pois a caridade unida à liberdade e a liberdade
fundida com a caridade expele o terror e anima ao irmão.
Quando
o irmão te fere está exaltado, quando comete um delito, está enfurecido, está
fora de si, perdeu todo sentimento de humanidade; quem não o socorre pela
compaixão, quem não lhe cura mediante a paciência, quem não lhe sara
perdoando-o, não está são, está mal, enfermo, não tem comiseração, demonstra
ter perdido os sentimentos humanitários.
O
irmão está furioso, atribui à enfermidade: tu, ajuda-o como a um irmão; tudo o
que ele faça em semelhante situação atribui à sua perturbação, e o ocorrido não
poderás imputá-lo ao irmão; e tu prudentemente lançarás a culpa à enfermidade,
e ao irmão, o perdão; desta forma, sua saúde redundará em tua honra e o perdão
te acarretará o prêmio.
Se teu irmão te
ofende, repreende-o; se ele se arrepende, perdoa-o. Perdoa ao que peca, perdoa ao que
se arrepende, para que, quando tu, por sua vez, pecares, o perdão te seja
concedido como compensação, não como doação.
Sempre
é bom o perdão, porém quando é devido, torna-se duplamente doce. Aquele que,
perdoando, já se assegurou o perdão antes de pecar, evitou o castigo, tem
inclinado ao juiz em seu favor, enganou o juízo.
Se te ofende sete
vezes em um dia, e sete vezes volta a dizer-te: “sinto muito”, o perdoarás. Por que constrange com a lei,
reduz no número e coloca um limite de perdão Aquele que tanto nos favorece pela
misericórdia e que tão facilmente concede pela graça? E se em lugar de sete te
ofende oito vezes? Vai prevalecer o número sobre a graça? Pode contrapor-se o
cálculo à bondade? Pode uma só culpa condenar ao castigo a quem sete vezes
consecutivas obtém o perdão? De jeito nenhum. Se é proclamado feliz aquele que
perdoou sete vezes, muito mais feliz será aquele que perdoa setenta vezes sete.
Esquecido
deste mandato, Pedro interroga ao Senhor, dizendo: Se meu irmão me ofende, quantas vezes devo perdoá-lo? Até sete vezes?
Jesus lhe responde: Não te digo até
sete vezes, mas até setenta vezes sete.
Portanto,
o número prescrito não limita, mas amplia o perdão, e ao que o preceito coloca
um limite, o assume ilimitadamente a livre vontade; de maneira que se perdoares
até o limite do que ordena o preceito, outro tanto te será contado à
obediência, te será contado ao prêmio. E se o número sete setuplicado por dias,
meses e anos implica a concessão da totalidade do perdão, calcule o cristão e
julgue o ouvinte que cotas não alcançará o número sete setuplicado setenta
vezes sete.
Então
realmente vai cessar toda forma contratual de débitos e créditos; então se
abolirá de verdade qualquer condição servil; então chegará àquela liberdade sem
fim; então será recuperado o campo eterno e imortal; então chegará o verdadeiro
perdão quando será inclusive abolida a própria necessidade de pecar, quando,
cancelada toda imundície, o mundo deixará de ser imundo, quando com o retorno
da vida deixará de existir a morte, quando estabelecido o reinado de Cristo, o
diabo perecerá definitivamente.
Orai,
irmãos, para que o Senhor aumente em nós a fé e possamos finalmente crer, ver e
possuir estes bens.”(1)
Como
afirmou o bispo, o número prescrito não limita, mas amplia o perdão: o perdão
tem dimensão universal e infinita, porque assim é o amor de Deus:
verdadeiramente indizível.
Também nós somos chamados a viver a graça do perdão, não apenas
pedir perdão a Deus, mas viver sua prática em relação ao nosso próximo, assim
como rezamos na Oração que o Senhor nos ensinou – “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem
ofendido” (Cf. Mt 6,11).
(1)
Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes – 2013 - pág.
213-214
Nenhum comentário:
Postar um comentário