Advento - Cantar e caminhar, orar e vigiar
Reflitamos sobre o Tempo do Advento, que iniciaremos no próximo domingo, à luz do Sermão do Bispo Santo Agostinho (Séc. V) sobre o fim de todos nós, a eternidade que todos ansiamos, porém ainda a caminho, empenhados para ela alcançar, ela merecer...
“Aqui embaixo, cantemos o Aleluia, ainda apreensivos, para podermos cantá-lo lá em cima, tranquilos. Por que apreensivos aqui? Não queres que eu esteja apreensivo, se leio: Não é acaso uma tentação a vida humana sobre a terra? (Jó 7,1).
Não queres que fique apreensivo, se me dizem outra vez: Vigiai e orai para não caírdes em tentação? (cf. Mt 26,41).
Não queres que esteja apreensivo onde são tantas as tentações, a ponto de a própria oração nos ordenar: Perdoai nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores? (Mt 6,12). Pedintes cotidianos, devedores cotidianos.
Queres que esteja seguro quando todos os dias peço indulgência para os pecados, auxílio nos perigos?
Tendo dito por causa das culpas passadas: Perdoai nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores, imediatamente acrescento por causa dos futuros perigos: Não nos deixeis entrar em tentação (Mt 6,13).
Como pode estar no bem o povo que clama comigo: Livrai-nos do mal? (Mt 6,13). E, no entanto, irmãos, mesmo neste mal, cantemos o Aleluia ao Deus bom que nos livra do mal. Ainda aqui, no meio de perigos, de tentações, por outros e por nós seja cantado o Aleluia. Pois Deus é fiel e não permitirá serdes tentados além do que podeis (1Cor 10,13).
Portanto cantemos também aqui o Aleluia. O homem ainda é réu, mas fiel é Deus. Não disse: Não permitirá serdes tentados, mas: Não permitirá serdes tentados além do que podeis, mas fará que com a tentação haja uma saída para poderdes aguentar (1Cor 10,13). Entraste em tentação; mas Deus dará uma saída para não pereceres na tentação; para, então, à semelhança de um pote de barro, seres plasmado pela pregação, queimado pela tribulação.
Todavia, ao entrares, pensa na saída; porque Deus é fiel: guardará o Senhor tua entrada e tua saída (Sl 120,7-8).
Contudo, só quando esse corpo se tornar imortal e incorruptível, então terá desaparecido toda tentação; porque na verdade o corpo morreu; por que morreu? Por causa do pecado.
Mas o espírito é vida; por quê? Por causa da justiça (Rm 8,10). Largaremos então o corpo morto? Não; escuta: Se o Espírito d’Aquele que ressuscitou a Cristo habita em vós, Aquele que ressuscitou dos mortos a Cristo vivificará também vossos corpos mortais (Rm 8,10- 11). Agora, portanto, corpo animal; depois, corpo espiritual.
Como será feliz lá o Aleluia! Quanta segurança! Nada de adverso! Onde ninguém será inimigo, não morre nenhum amigo. Lá, louvores a Deus; aqui, louvores a Deus. Mas aqui apreensivos; lá, tranquilos. Aqui, dos que hão de morrer; lá, dos que para sempre hão de viver. Aqui, na esperança; lá, na bem-aventurança. Aqui, no caminho; lá, na pátria.
Cantemos, portanto, agora, meus irmãos, não por deleite do repouso, mas para alívio do trabalho.
Como costuma cantar o caminhante: canta, mas segue adiante; alivia o trabalho cantando. Abandona, pois, a preguiça.
Canta e caminha. Que é isto, caminha? Vai em frente, adianta-te no bem. Segundo o Apóstolo, há quem progrida no mal. Tu, se progrides, caminhas. Mas progride no bem, progride na fé, sem desvios, progride na vida santa. Canta e caminha”.
O Bispo nos convida a cantar o Aleluia, provisoriamente e apreensivamente, aqui e agora, para que possamos cantá-lo tranquilamente na eternidade.
Viver o Tempo do Advento como tempo da vigilância e oração, e como Santo Agostinho nos disse, a cantar e caminhar. Cantar com confiança, caminhar com toda esperança, como pedintes e devedores cotidianos.
Pedintes e devedores cotidianos? Sim. É isto que somos diante de Deus, enquanto peregrinos que caminham rumo ao Pai, tão pedintes quanto devedores.
Quem ousaria pedir algo a quem tanto deve? Somente Deus mesmo é capaz de ouvir nossos pedidos, ainda que devedores eternos do Seu amor, e também devedores do amor mútuo, como o Apóstolo Paulo também nos exorta na Carta aos Romanos (Rm 12).
Como não merecedores pedintes e eternos devedores, cantemos e caminhemos e estejamos prontos para o grande momento da vinda do Senhor. Isto é Advento!
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