domingo, 3 de agosto de 2025

“Padre elementar”?

                                                                       

 “Padre elementar”?

Anos passados participeo do 13º Encontro Nacional de Presbíteros, com o tema “Celebrando e fortalecendo a comunhão presbiteral” e o lema: “Eu me consagro por eles” (Jo 17,19a).

Participaram Padres representantes das Dioceses de todo o Brasil, num grande momento de comunhão na diversidade, ao redor da Mesa da Palavra e da Eucaristia, com reflexões e aprofundamentos, permitindo a volta para as dioceses com preciosas reflexões que animam e fortalecem a vida ministerial.      
                
O texto preparatório, riquíssimo por sinal, fala da existência de um novo tipo de Padre: o Padre elementar (é exatamente esta a expressão usada). Em primeiro momento todos nos perguntamos: o que é um Padre elementar?

Se entendermos elementar como noção primária de qualquer forma de conhecimento, de fácil entendimento, o Padre elementar há de possuir uma conduta simples, de fácil identificação tendo sua vida marcada por Aquele que o chamou e a quem sua vida entregou: Jesus Cristo.

A vida do Padre deve ser de tal modo que Cristo seja gerado, formado e percebido em suas palavras, pensamentos, comportamentos, atitudes, compromissos, angústias e esperanças, alegrias e tristezas, que fazem parte do cotidiano. Esta deve ser a verdadeira identidade presbiteral na pós-modernidade! 

O texto base nos oferece algumas características fundamentais do Padre elementar:

 -   Não se apropria nem tira vantagens de ser possuidor de virtudes e dons extraordinários – tem consciência de que os dons e virtudes que possui são belos se colocados, de forma simples, em favor do povo sofrido;

 -  Tem o dom de “elementarizar” a fé no meio dos desacreditados e daqueles que não acreditam mais em si mesmos, ou seja, faz renascer a esperança no coração das pessoas;

 -   Possui o dom e a força de abraçar aquela parte da humanidade que o mundo competitivo considera descartável;

 -   Usa o bom senso movendo-se pela lei maior do Evangelho: a lei do amor, vínculo da perfeição;

 -   É teologicamente perspicaz, bem informado, inteiro e livre. Sabe ler os sinais dos tempos, conhece seu lugar social e sua missão. Com a comunidade abraça alegremente a missão, dentro e fora do âmbito da Igreja, sendo sal e luz;

 -   É livre no acolhimento e vivência de sua vocação na fidelidade ao Senhor e no serviço à Igreja, abraçando o celibato, a obediência e a pobreza sempre contando com a graça de Deus;

 -   Sua vida solidária o faz homem contemporâneo com o povo que carrega um fardo pesado e com todos que buscam um sentido de vida – é o homem da compaixão;

 -   Anda na contramão da cultura das conveniências, porque apaixonado pelo Reino que lhe confere uma espiritualidade com raízes vitalícias, pés fincados na realidade e asas inquebráveis, vivendo o Batismo e a vocação sacerdotal, como dom e graça divina.

Que Sacerdotes e comunidades sejam a mais pura expressão destas palavras: Mergulho nas profundidades divinas, voos mais altos nas asas do Espírito! Compromissos mais solidários e efetivos, somente assim se alcança santos objetivos!"

Presbítero: construtor de unidade e paz

 


Presbítero: construtor de unidade e paz

Reflexão à luz da Mensagem para o Dia Mundial pela Santificação do Clero, na qual o Papa Leão XIV exorta os padres a viverem o dom total de si mesmos no serviço ao povo santo, em resposta ao chamado que de Deus procedeu, de tal modo que sejam construtores de unidade e de paz, num mundo marcado por crescentes tensões, inclusive no seio das famílias e das comunidades eclesiais.

Nesta construção de unidade e paz, que os presbíteros sejam:

- Pastores capazes de discernimento;

- Hábeis na arte de compor os fragmentos de vida que lhes são confiados;

- Pessoas que ajudem as pessoas a encontrar a luz do Evangelho no meio das tribulações da existência;

- Leitores sábios da realidade, indo para além das emoções do momento, dos medos e das modas;

- Promotores de propostas pastorais que gerem e regenerem a fé, construindo boas relações, laços de solidariedade e comunidades, onde brilha o estilo da fraternidade;

- Servidores que jamais se imponham;

- Promotores da fraternidade sacerdotal para que tornem crível a presença do Senhor Ressuscitado entre nós;

- Plasmados pela graça, para manter o fogo do Espírito recebido no dia da Ordenação;

- Unidos ao Sagrado Coração de Jesus, para sagrados compromissos com a vida plena e feliz, na construção do Reino de amor e justiça;

- Peregrinos de esperança, para que seu ministério seja cada vez mais fecundo, enraizado na oração, no perdão, na proximidade com os pobres, as famílias e os jovens em busca da verdade.

Deste modo, é fundamental que o padre encontre tão somente no Coração de Jesus a verdadeira humanidade de filho de Deus.

Oremos:

Ó Deus, ao contemplarmos o Coração de Cristo, trespassado por amor, carne viva e vivificante que nos acolhe, elevemos orações pela santificação dos sacerdotes, para que os transforme à imagem do Cristo Bom Pastor.

Concedei-lhes a graça de serem ardentes da Vossa divina misericórdia, e sejam testemunhas alegres do Vosso amor que cura, acompanha e redime.

Ó Deus, confiando cada presbítero a Maria, a Rainha do apostolado e mãe dos sacerdotes, recordai-lhes sempre que um sacerdote santo faz florescer, à sua volta, a santidade. Amém.

 

Confira a Mensagem na íntegra:

https://www.vatican.va/content/leo-xiv/pt/messages/pont-messages/2025/documents/20250627-messaggio-santificazione-sacerdotale.html

O contínuo processo de formação Presbiteral

O contínuo processo de formação Presbiteral

“Não Fostes vós que me escolhestes,
mas fui Eu que vos escolhi.” 
(Jo 15,16)

Todos os Presbíteros devem sentir-se encorajados, com a palavra e com o exemplo do seu Bispo e dos seus irmãos no Sacerdócio, a assumir a responsabilidade da sua própria formação, sendo o primeiro formador de si mesmo.

De modo que, pelo testemunho da fé, devem possuir uma vida espiritual sólida, alimentada pela intimidade com Jesus Cristo, em Sua Palavra e Eucaristia, e pelo amor à Igreja, a quem devemos também amar e com, alegria e generosidade, servir.

Esta formação permanente compreende todas as dimensões de nossa vida, por isto deve ser completa: humana, espiritual, intelectual, pastoral, sistemática e personalizada.

Como pessoa, o Presbítero é chamado à prática da bondade de coração, paciência, amabilidade, com força de ânimo, amor à justiça, tendo equilíbrio em tudo, assim como viver a fidelidade à palavra dada, em total coerência com os compromissos livremente assumidos, numa autêntica maturidade humana e afetiva, sem jamais esquecer os valores fundamentais aprendidos na família, berço precioso das vocações.

Como homem espiritual, ter paixão pela Palavra divina, com sede de aprofundamento da mesma, bebendo na fonte da Patrística, da vida e escritos dos Santos, tendo sempre em mãos bons livros, para que lendo e assimilando e vivendo o que se lê e estuda, o Espírito do Senhor fale por sua boca. 

Acrescente-se a isto, como homem de oração, amor incondicional e incomparável pelos Sacramentos que celebra, e de modo especial, a Eucarística, fonte e ápice de toda a vida da Igreja e do seu Ministério.

Como homem espiritual, deve ter um plano de vida pessoal, para que, em nome do tanto fazer, não acabe sufocando momentos imprescindíveis do refazer-se da força e da graça divinas, por meio da vida de recolhimento, silêncio, intimidade e amizade com o Senhor, em longo e sincero diálogo.

Como homem da ciência, não pode descuidar de dialogar com as diversas ciências, para que a pregação e o anúncio sejam raios luminosos na condução do rebanho e no diálogo com o mundo, para que ele se identifique cada vez mais com os desígnios de Deus.

Na leitura, aprofundamento do conhecimento humano, aliado ao conhecimento divino, terá a verdadeira sabedoria, degraus para alcançar as coisas do alto.

Homem da fé, mas também homem da razão, do discurso lógico, fundamentado, pertinente e questionador dos contravalores que ferem e destroem a vida, para que, com coragem, saiba defender os valores que não podem jamais serem esquecidos, para que a vida não seja diminuída ou violada, da concepção ao seu declínio natural.

Como homem da ciência, deve estar sempre atualizado e pronto a dar razão da sua esperança, como nos falou o Apóstolo Pedro (1 Pd 3,15) diante das interrogações que os fiéis e o mundo apresentam. Por isto, deve se aproveitar das inúmeras possibilidades que os meios de comunicação social oferecem para se formar, e neste espaço também ser um agente formador, sem jamais trair a doutrina e os princípios da Igreja a qual serve.

Como pastor, em comunhão com o Bispo e Presbitério, viver a diocesaneidade, pois sozinho não conseguirá enfrentar os desafios da pós-modernidade, com o perigo do isolamento e, ao mesmo tempo, enfraquecimento da vitalidade ministerial. É inconcebível o Ministério Presbiteral vivido isoladamente.

Como pastor, educador da fé, deve ter um zelo muito especial para que o rebanho conheça a Doutrina da Igreja, por seus Documentos diversos, dentre eles, o Catecismo da Igreja Católica, um tesouro sempre em mãos.

A formação permanente assim, em suas dimensões: humana, espiritual, intelectual, e pastoral, de modo orgânico e completo, deve ser procurada por cada presbítero, incansavelmente, de forma personalizada, considerando sua história e carismas.

Urge empenharmos esforços e multiplicar orações, para que tenhamos Presbíteros verdadeiramente felizes e zelosos do Ministério pela Igreja confiado. 

Luzes serão acesas no coração de cada Presbítero!

Luzes serão acesas no coração de cada Presbítero!

O Presbítero em tempo de crise paradigmática,
Contempla o emergir de uma figura sem precisão matemática. 

Traz em si imprescindíveis marcas, 
Para não ser submergido no mar da vida, 
Na outra margem ancorar sua barca. 
Sem medo, não se fixando às margens conhecidas, 
Superando as superficialidades já exauridas.

Luzes serão acesas no coração do Presbítero!
Se tiver mãos de semeador, para o chão preparar e a semente lançar, 
Sem medo do resultado que se há de alcançar.
Se tiver a audácia de pescador, 

Que atira suas redes não mais para peixes pescar; 
Atira suas redes no mar da vida, para vidas resgatar, 
E a sacralidade da vida e dignidade humana preservar.
Se tiver o coração e zelo de um pastor, 

Saberá cuidar de cada ovelha que se extraviou… 
Sobretudo, aquela ferida, machucada, 
Quebrada, por ser sofrida, por toda e qualquer dor.

Se tiver olhar e alma de um poeta, 
Terá a boca e coração de profeta. 
Que acredite num novo horizonte, 
Que o caminho novo à humanidade aponte.

Luzes serão acesas no coração do Presbítero!
Se homem de oração dialogal abrir-se ao Espírito, 
Na adoração, no silêncio, de coração contrito. 
A Missão é de todos nós! 

Urge que volte, mais do que nunca, aos sem vez e voz.
Nutrido pela força da Eucaristia, 
Incansável, noite e dia. 
Homem da mística, sem a perda da utopia, 
Vivendo a fé e a caridade incansável, esperando a grande parusia.

Reapaixonado sempre por Aquele que nos quis e nos chamou, 
Retomando a conduta de outrora, 
Missão assumida em espírito e verdade, 
Prenúncio de uma nova aurora!

Luzes serão acesas no coração do Presbítero!
Se trouxer em si as marcas do semeador,
Pescador, pastor e agricultor, 
Profeta, homem orante, militante, sonhador... 

Luzes serão acesas em seu coração, 
Se não curvar-se ao jugo e ao jogo tirano e opressor. 
Que seja testemunha crível e corajosa de Nosso Senhor, 
Reavivando a chama do primeiro Amor!

A cidade, seus clamores e a missão presbiteral

                                                    

A cidade, seus clamores e a missão presbiteral

 

As grandes cidades enfrentam os inúmeros problemas de nosso tempo, principalmente porque vivemos em mudança de época, muito mais do que uma época de mudanças.

 

Diante disto, uma questão fundamental: qual a missão do presbítero na cidade, bem como das comunidades que lhes são confiadas?

 

Não é uma resposta simples de ser dada, porém não podemos ceder à falta de coragem de buscar e de nos abrirmos ao Espírito para novas e necessárias respostas.

 

Na realidade, por vezes, árida e sórdida da cidade é missão do Presbítero primeiramente construir comunidades verdadeiramente eucarísticas, que se nutram do Pão da Palavra e da Eucaristia, o que consequentemente possibilitará que ele e todos façam uma profunda experiência de comunhão e amizade com o Senhor, em intimidade e apaixonamento visível pela Palavra que anuncia e denuncia, pelos exemplos, sinais no mundo de vitalidade e profecia.

 

O encontro com o Senhor não é apenas o conhecimento d’Ele e de Suas ideias, mas a configuração da vida a Ele e ao conteúdo de Seu ensinamento e vivência, alcançando a maturidade paulina:

 

“Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim.” (Gl 2,20), e ainda: “Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo.” (Fl 2,5).

 

Em decorrência desta espiritualidade eucarística, o Presbítero ajudará a comunidade no processo de santificação e de solidificação da família, a fim de que esta seja como uma escola dos valores cristãos, dos valores humanos e universais, e nela se formem excelentes cristãos e também excelentes cidadãos.

 

Colocando-se solidariamente ao lado dos mais empobrecidos, em alegre acolhida do outro, em constante processo de conversão pessoal, comunitária e social, o presbítero não deve se restringir aos espaços internos da comunidade, pois a evangelização desconhece limites e fronteiras.

 

Neste sentido, não pode ele se omitir no anúncio do Verbo nos diversos meios de comunicação social, rádio TV, jornal, Internet, enfim, nos novos areópagos...

 

Numa cidade, muitas vezes marcada pelo sofrimento, com famintos, dependentes químicos, moradores de rua, prostituição infantil, vítimas do tráfico e da violência, falta de condição digna de moradia…

 

Diante de tantos rostos empalidecidos, com rugas precoces pelo sofrimento, o Presbítero deve ser aquele que com a comunidade, em frutuosa pastoral de conjunto e em comunhão com toda a Igreja, faz resplandecer o rosto de Cristo.

 

O Presbítero deve contribuir para que a comunidade, uma vez saciada a sede pela água cristalina da Palavra, nutrida pelo pão eucarístico e inebriada pelo vinho novo da Eucaristia, viva a nova e eterna aliança sendo um “oásis no deserto da cidade”, não como refúgio do bom combate da fé (2Tm 4), mas como lugar de revigoramento, favorecendo atitudes de serviço, anúncio, diálogo e testemunho de que o Reino de Deus se encontra em nosso meio.

 

Sem a pretensão de esgotar as respostas, vejo o presbítero na cidade como aquele que realiza a missão pelo amor que é Cristo Jesus.

 

E, na estreita relação de amor com Ele, tornará a Igreja mais crível e um novo mundo, mais do que desejável, possível. Um mundo marcado pela verdade e abundância de vida, porque fundado em relações de amor e justiça que faz brotar a paz.

 

É missão do Presbítero não permitir que a sordidez da cidade devore o rebanho, colocando nossa vida totalmente a serviço dele, tornando mais bela a cidade, até que um dia possamos entrar na Cidade Celestial.

 

Jubileu Sacerdotal - Obrigado, Senhor!

Jubileu Sacerdotal - Obrigado, Senhor!

Em 2013, vivendo e celebrando o Ano Jubilar Sacerdotal, fui convidado pelo Pe. Paulo Leandro (Representante dos Presbíteros de Guarulhos), para falar um pouco da alegria de servir e celebrar diariamente, por 25 anos, a Sagrada Eucaristia, respondendo algumas perguntas:

- Pe Otacilio, como foi celebrar sua primeira Missa em 1988 e celebrar 25 anos depois?

Quando celebrei a primeira Missa, senti muita emoção e me perguntava em silêncio enquanto celebrava: “Mas, eu celebrando, como pode?” “Eu consagrando?” “Esta partícula é agora o Corpo e Sangue do Senhor, pelas palavras que profiro, pelas mãos que imponho?” Não me parecia possível, não parecia ser verdade, tinha a impressão que somente os outros Padres celebravam, de fato.

Assim se multiplicavam os pensamentos. Estava lá e ao mesmo tempo não. Algo quase indescritível, verdadeiramente enlevado pelo Mistério da Eucaristia.

Vinte e cinco anos passados, não tenho mais aquele sentimento. Acredito piamente na Palavra que anuncio nas Homilias, tanto quanto no Pão Eucarístico que consagro e distribuo ao povo na fila da comunhão.

É verdadeiramente a Palavra de Deus anunciada, e que me empenho em viver; é verdadeiramente Comida e Bebida que nutre minha fé, renova minha esperança e mantém acesa a chama da caridade em meu coração e nos corações daqueles que da Ceia participam.

Entretanto, procuro celebrar cada Missa como se fosse a primeira da minha vida, com emoção e unção, com zelo e respeito, como é esperado. Não celebro mecanicamente, como obrigação, mas mergulhando e vivendo intensamente o Mistério celebrado, sem mérito algum de minha parte.

- Quais eram os sonhos do neo-sacerdote Otacilio e quais são hoje?

Sonhava com uma Igreja viva, de comunhão de vida e de amor, participativa, ministerial e, sobretudo, solidária com os empobrecidos. Continuo sonhando e me empenhando, para que a Igreja seja um valioso instrumento na construção do Reino de Deus. A Paixão pelo Reino me motiva em renovados compromissos que o Ministério Presbiteral nos propõe.

Com o tempo damos solidez aos sonhos, como metas a serem alcançadas, sem acomodações, rotinas, cansaços, perda do entusiasmo, do encanto, da paixão incondicional pelo Senhor, reavivando no coração a chama do primeiro amor, como exortou Paulo a Timóteo Por esse motivo, eu te exorto a reavivar a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos. (2 Tm 1,6);

- Quais eram os seus medos e quais são hoje?
                
Ontem e hoje o medo de não corresponder ao que Deus espera de mim, por isto mais do que fazer discurso do medo, da culpa e do castigo, aprofundo a minha relação com Deus, que se revela misericordioso, presente, bom, clemente, compassivo. Quando em Deus confiamos, quando sua presença e força experimentamos, o medo cede lugar para sentimentos mais nobres e divinos.

- Como avalia suas Homilias depois de 25 anos de pregação?

A vida nos ensina muitas coisas, vamos aprendendo com nossos erros e acertos, sem a pretensão de santidade já alcançada, mas a ser buscada em contínua atitude de vigilância e oração.

Toda homilia é um bom-bocado de pão que sacia a fome daqueles que nos ouvem. Por isto não nos é dado o direito de oferecer uma homilia qualquer, sem conteúdo, sem sabor, sem unção, sem luminosidade etc.

Acredito ter hoje uma pregação mais sólida, mais substancial, fruto da oração, de leituras, de aprofundamentos, do crescimento espiritual que todos precisam buscar, da maturidade espiritual que esperamos alcançar, sem jamais nos acomodarmos.

Sem dúvida, minhas homilias hoje são mais densas que as primeiras, e, certamente, mais longas, dialogais, reflexivas, levando sempre à mensagem da Igreja, à fé no Ressuscitado e ao compromisso com Ele e com todos que nos são confiados, como sinais do Bom Pastor que somos.

- Diante de uma sociedade, capitalista, hedonista e individualista, que diria a um jovem sobre o ser Padre?

Que primeiro procure ouvir o chamado de Deus, e ouvindo não fuja ao chamado. Tenha coragem de dizer sim, porque vale a pena. Não encontramos a felicidade quando fechamos os ouvidos e o coração ao chamado e à vontade divina.

Que antes de tudo, este jovem seja cristão, de fato, pois somente assim poderá viver a vocação a que foi chamado com alegria no coração, não obstante às dificuldades e renúncias necessárias. Não acredito em felicidade desvinculada da Cruz, pois foi por meio dela que nos veio a vida nova do Ressuscitado, a plenitude dos dons e a eternidade.

E, afirmo, sem sombra de dúvidas, sem hesitações quaisquer: vale a pena ser Padre. É bom ser padre, e nos sentirmos realizados fazendo o que Deus espera de nós. Vocação acertada, vida feliz, indubitavelmente.



PS: Publicado no jornal Folha Diocesana – Guarulhos – Edição nº199.  

“Sexualidade: um tesouro escondido”

“Sexualidade: um tesouro escondido”

Considerando notícias que revelam uma sexualidade mal integrada (pedofilia, casamentos que se desfazem subitamente, abandono do exercício do ministério presbiteral, hedonismo etc., retomo apontamentos de um estudo promovido pela Diocese de Guarulhos, oito anos passados, que teve como tema: “Afetividade e Sexualidade do Presbítero”, assessorado por Frei Antonio Moser (OFM).

A sexualidade pode ser o caminho da vida ou de morte. Uma sociedade desintegrada, na perspectiva da sexualidade, não será integrada em outros níveis. Há uma correlação entre os problemas pessoais e os problemas sociais, e vice-versa. A sexualidade nunca é uma força neutra, e integrá-la é um desafio vital.

O Frei apresentou sete pontos para compreensão da sexualidade, comparando-a como um grande tesouro dado por Deus a todos nós, fundamentando-se no livro de sua própria autoria: “Enigma da Esfinge – A Sexualidade”, da Editora Vozes.

A leitura do livro pareceu-me indispensável, para contribuir no processo educativo em busca de uma nova compreensão da sexualidade, para sermos e vivermos como pessoas integradas e felizes.

Imaginemos um grande castelo, e que tenhamos que passar por suas portas, usando sete chaves, para então encontrarmos o grande tesouro, que nos fará verdadeiramente humanos.

As grandes salas deste castelo são sete: conhecimento da mitologia, ciências, teologia, ética, história, fenômeno emergente da homossexualidade e, finalmente, as sete chaves do Livro do Apocalipse.

1.ª chave – Mitologia:
Oferece contribuições muito ricas para a compreensão da sexualidade. Um dos mitos é o enigma da esfinge (da mitologia grega – vale conferir): para desvendar o enigma da esfinge há a necessidade do diálogo, criatividade/ternura e a perspectiva religiosa/transcendência.

2.ª chave – Ciências:
A verdadeira religião se articula com a razão. As ciências revelam a multiplicidade da sabedoria de Deus. As ciências nos oferecem elementos muito preciosos para compreensão do mundo. Não conciliar a ciência com religião é não conhecer nem uma coisa e nem outra. É preciso deixar de lado as pretensas seguranças.

Valiosas contribuições advêm da psicologia, antropologia, sociologia e outras ciências para compreensão de nossa sexualidade, que não pode ser confundida com genitalidade.

A sexualidade como energia poderosa é uma força estruturante: pode fazer de nós pessoas integradas e integradoras, em cada fase de nossa vida. Nossa sexualidade pode ser expressa de diversos modos: no falar, olhar, gesticular...

3.ª chave – Teologia:
Junto com a filosofia, nos oferece instrumental para darmos razões de nossa fé. A teologia nos ajuda a compreender o sentido último da sexualidade. Por que Deus nos fez seres sexuados? Exatamente para facilitar a comunicação e a comunhão entre nós.

A sexualidade é uma energia a serviço da transcendência – “Deus é amor”. Sexualidade como amor nos permite um relacionamento com Deus que é amor. Não há santidade sem a vivência de uma sexualidade sadia. É preciso “anunciar o Evangelho da sexualidade”, que é fundamental para amizades, serviço, encantamento, edificação da família e da família universal.

Sexualidade bem compreendida e vivida leva à felicidade. “A felicidade é como a sombra, quanto mais se corre atrás dela, mais ela corre de nós. É preciso voltar...”, ou seja, “conheça-te a ti mesmo”.

4.ª chave – Ética = etos:
Ética carrega uma pecha de negatividade. A ética tem cara nova (bioética). A ética diz respeito à construção de nossa realização; nossa felicidade; deve contribuir na humanização. Deus nos fala através dos sinais dos tempos: localizá-los e entendê-los – um desafio para bioética. Não podemos enveredar pelos caminhos do casuísmo, dualismo, pessimismo... É preciso conhecer a tradição do magistério; educar-se para o amor; educar-se para a fidelidade; educar-se para a alteridade = o outro; educar-se para a fecundidade.

Sexualidade sadia: ternura; entusiasmo pastoral; estudo; celibato e castidade só são possíveis com amigos de verdade; é preciso ambiente sadio para viver o celibato; Jesus teve e foi amigo. Amizade não é apoderamento, e é preciso saber discernir.

O sentido profundo da sexualidade consiste em contribuir para a comunicação e a comunhão.

Para tanto, é preciso educar para o amor como processo contínuo (reflexão, oração, estudo) – vivemos numa cultura da promiscuidade permissividade;

Assumir o outro na alteridade – respeito ao outro / respeitar o diferente que pensa e sente diferente de mim;

Cultivar a cultura da fidelidade em seu sentido abrangente e profundo – não entrar na cultura da infidelidade tão presente em nosso meio. Quem não for fiel no pouco não o será no muito...;

Desenvolver o senso da responsabilidade social – o comportamento do indivíduo reflete na sociedade como um todo, pois nenhum ato é neutro em si mesmo...;

Promover a vida em todos os seus desdobramentos – a cultura da vida;

Libertar-se da tirania do prazer, recuperar a alegria de brincar e viver...;

Assumir a condição de pecadores – os santos sempre se reconheceram pecadores...;
Reconhecer-se pecador é colocar-se no caminho da salvação. Pecar não é fazer algo de mal, mas não estar sintonizado com o querer de Deus – quem não estiver em comunhão com o Pai fará barbáries. O pecado revela o desligamento. Pecado é não vibrar mais.


5.ª chave – Experiência – História:
Abrir-se ao novo, resgatando as experiências da humanidade, sem medo do novo; uma vez que o novo muitas vezes nos assusta, nos inquieta... Precisamos anunciar o Evangelho da responsabilidade, graça e cruz, para uma sexualidade integrada, para não incorrermos em patologias (doenças, desvios, frustrações).

A inserção e a paixão pelo Reino de Deus são condições para a realização de nossa sexualidade, marcada pelas diferenças de sexo, enriquecidos pela complementaridade e reciprocidade de gêneros (masculino e feminino)...

O processo de integração de nossa sexualidade se nos apresenta como um processo contínuo, portanto, inacabado para todos. Ler e compreender a história da sexualidade para uma nova possibilidade, a fim de que se corresponda ao plano do Criador.

6.ª chave – Fenômenos emergentes – homossexualidade:
A linguagem apropriada é falar de pessoas com orientação homossexual. Não nos cabe julgar, mas procurar, com misericórdia, compreender esta realidade (há aproximadamente 500 milhões de homossexuais no mundo).

Não há pessoas fisicamente homossexuais, como também ninguém é heterossexual 100%. A questão de pessoas homossexuais é uma questão afetiva e não de aparência. Pode ser homossexual periférico ou circunstancial ou pessoa com orientação homossexual estruturada.

Pode haver tendência sem ato homossexual; pode haver atos homossexuais; comportamentos homossexuais e mais: “ninguém é mais e nem menos bondoso por ser homossexual”.

Para trabalhar pastoralmente com a questão homossexual, precisa-se aprender com a pedagogia de Jesus – “boca pequena e orelhas grandes”; atitude de acolhida; há sempre um sentido de vida que passa pela cruz; relativizar o sexo (sublimação).

Há uma incompletude em todos nós, quer heterossexual, quer homossexual. Tanto um como o outro, deve fazer da sua realidade e vida, uma correspondência ao querer de Deus. Apresenta-se a todos nós o desafio e a graça de viver uma sexualidade sadia e conforme os desígnios de Deus.

7.ª chave - As setes chaves do Apocalipse:
Mistério profundo que só será desvendado na eternidade; ter a humildade e sabedoria evangélica: não nos cabe julgar ninguém.

O tesouro nos foi dado por Deus, as chaves estão em nossas mãos... Adentremos neste castelo em busca deste tesouro, por uma sexualidade equilibrada, integrada, integradora, feliz e geradora de felicidade. Sexualidade não é castigo, é dom divino!

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