Família, uma pequena Igreja
Celebrar Festa da Sagrada Família (ano B), é ocasião favorável para refletirmos sobre o papel fundamental que tem a família no Plano de Salvação que Deus nos propõe.
A família é uma pequena Igreja, e nela devem estar presentes alguns sinais da bênção do Senhor como vemos no Antigo Testamento: paz, abundância de bens materiais, concórdia e a descendência numerosa.
É o que vemos na passagem da primeira Leitura (Eclo 3,3-7.14-17a). A obediência e o amor eram imprescindíveis no cumprimento da Lei, de modo que esta obediência era sinal e garantia de bênção e prosperidade para os filhos, mas também um modo de honrar a Deus nos pais, como encontramos no Livro do Êxodo (20,12) – “honra teu pai e tua mãe”.
Os pais são instrumentos de Deus e fonte de vida, e como recompensa do “honrar pai e mãe”, os filhos obtêm o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus.
"Com razão se diz hoje que a família é o primeiro lugar da evangelização, provavelmente o mais decisivo. Com efeito, é na família que a criança, mesmo muito pequenina, respira ao vivo a fé ou a indiferença. Por aquilo que vê e vive, ela adverte se em sua casa - e na vida - há lugar para Deus ou não. Nota se a vida se projeta pensando só em si mesmos, ou também nos outros. Tudo isto para dizer que normalmente o modo de viver encontra as suas raízes na família.” (1)
Na passagem da segunda Leitura (Cl 3,12-21), o Apóstolo Paulo exorta sobre o novo modo de relacionamento na família, onde os esposos e os filhos cristãos vivem a vida familiar como se já vivessem na família do Pai Celeste.
Revestidos do “Homem novo”, as relações são marcadas pela misericórdia, bondade, humildade, doação, serviço, compreensão, respeito pelo outro, partilha, mansidão, paciência e perdão.
Na passagem do Evangelho (Lc 2,22-40) sobre a apresentação de Jesus no templo, temos a experiência de Cristo, que entra no contexto de uma família humana concreta, e Lucas nos apresenta, de modo catequético, um quadro realista dos reveses e vicissitudes a que está sujeita a vida de uma família em todo tempo.
De acordo com o Livro do Levítico (Lv 12,2-8), quarenta dias após o nascimento de uma criança, esta deveria ser apresentada no Templo, e a mãe oferecia um ritual de purificação com a oferenda de um cordeiro de um ano (se a família fosse mais abastada) ou duas pombas ou duas rolas (famílias com menos recursos).
Na cena narrada por Lucas, temos no templo a presença de Simeão e Ana, que representam Israel, o Povo de Deus que esperava ansiosamente a sua libertação e restauração, bem como a universalidade da Salvação.
Simeão e Ana, anciãos que acolhem Jesus no Templo, não são pessoas desiludidas da vida, voltadas para o passado, como um tempo ideal que não tem volta; ao contrário, são pessoas voltadas para o futuro, atentas e abertas para o Deus libertador que vem ao encontro do Povo, e sabem ler os sinais de Deus naquela Criança.
Ambos possuem maturidade, sabedoria e equilíbrio, com espírito aberto e livre, colocando-se a serviço da comunidade.
Também hoje precisamos de novos “Simeãos e Anas” que ensinem os mais jovens a distinguir entre o que é eterno e importante e aquilo que é apenas passageiro e acessório.
As palavras de Simeão, sobre a espada que transpassaria a alma de Maria, nos permitem afirmar que a apresentação de Jesus no templo e a purificação de Maria, embora seja o quarto Mistério gozoso, também é um Mistério doloroso, glorioso e luminoso, quando Ele viesse a crescer em tamanho, sabedoria e graça diante de Deus.
Na Sagrada Família, como em todas as outras, há alegrias e sofrimentos, desde o nascimento até a infância e a idade adulta; ela amadurece através de acontecimentos alegres e tristes para cada um de seus membros, como vemos nos Evangelhos.
Nos dias atuais, a célula familiar está particularmente em perigo, e vemos postos em discussão seu direito tradicional, sua moral, sua economia, sua função social como papel formador de seus membros.
Na realidade em que vive a família, nem tudo é idílico, paz e serenidade. Toda família passa por sofrimentos e dificuldades: exílio, perseguição, crises no trabalho ou sua falta, separação, emigração, afastamento dos pais e outros inúmeros problemas e desafios.
- Sem trair ou negar o Evangelho, como ajudar a família a situar-se no mundo de hoje, e a construir-se a si mesma em meio às dificuldades que encontra?
Do ponto de vista moral, temos o divórcio, o espinhoso problema da limitação da natalidade e o aumento do número dos matrimônios fracassados que obrigam os cristãos a retomarem a consciência do caráter sagrado da família cristã.
No plano econômico, temos a crise econômica e suas graves consequências abalando as estruturas das famílias.
No plano político, a família é, felizmente, ajudada pelo Estado em muitos países, mas corre o perigo de ficar a serviço do Estado, sobretudo no que concerne à primeira educação dos filhos, em que semeiam os valores fundamentais: amor, verdade, respeito, justiça e liberdade.
São gravíssimos os problemas enfrentados pela família, e que não podem ser resolvidos facilmente, mas somente com abertura ao Espírito, acompanhada de profunda e frutuosa reflexão e Oração.
É preciso investir o máximo na formação daqueles que pretendem constituir nova família, a fim de que esta seja edificada com a sua irrenunciável e inadiável tarefa educativa, e para uma vida de intimidade e comunhão.
Somente assim ela não se degenerará, não fracassará, não se desvirtuará na multiplicação de divórcios, fomentando a desestruturação da família.
A solidez e a luminosidade de uma família somente se darão quando Jesus Cristo for, verdadeiramente, a base sólida sobre a qual se edifica esta pequena Igreja (Mt 7,21.24-27), se deixando iluminar por Sua Divina Luz (Jo 8,12).
Famílias devidamente edificadas também se abrem a relacionamentos comunitários solidários e fraternos, jamais se isolando, pois é impensável famílias como “pequenas ilhas” fechadas em si mesmas.
Na vivência da caridade, a família encontra a verdadeira fonte da unidade familiar, abrindo-se à realidade da Boa-Nova do Reino, em que se estabelecem relações fraternas e universais; abrindo-se a novos horizontes, como fez a Sagrada Família.
Se alguma família fracassou no mundo foi porque faltou, sobretudo, o verdadeiro amor, porque onde o amor se extingue, a família se esfacela, num processo irreversível de autodestruição.
Celebrando a Festa da Sagrada Família, que nossas famílias como pequenas Igrejas domésticas, sejam iluminadas pelos raios do Espírito, que nos são comunicados em cada Banquete Eucarístico para iluminar os caminhos obscuros e incertos por que passamos.
Somente deste modo as famílias serão espaços privilegiados do aprendizado dos valores, acima de tudo o aprendizado do Mandamento do Amor que o Senhor nos deixou, tornando a vida mais bela, o mundo mais fraterno e feliz.
Eternos aprendizes da Sagrada Família, sejamos; e, nesta escola, permaneçamos sempre para santificar e iluminar nossas famílias, pequeninas Igrejas domésticas em que o Senhor reina, pois onde Ele reina, reina o amor.
Urge que nossas famílias se abasteçam na Divina Fonte do Amor, tal como a família de Jesus, Maria e José, em total e incondicional obediência e fidelidade ao Amor do Pai e abertura ao Santo Espírito.
(1) Lecionário Comentado - Volume Advento/Natal - Editora Paulus - Lisboa - p.255