sábado, 9 de novembro de 2024

A boa morte: a passagem de tudo!

                                                          

A boa morte: a passagem de tudo!

“Por isto não te assuste a palavra morte, 
mas os benefícios da boa passagem te alegrem. 
Pois, que é a morte a não ser
a sepultura dos vícios, 
o despertar das virtudes?”

Reflitamos parte do Tratado sobre o benefício da morte, do Bispo Santo Ambrósio (Séc. IV), em que nos exorta a levar sempre em nós a morte de Cristo para que alcancemos a glória da Ressurreição.

“Disse o Apóstolo: ‘Para mim o mundo está crucificado, e eu, para o mundo’ (Gl 6,14). Para que saibamos, por fim, que nesta vida há morte e boa morte, exorta-nos a que ‘levemos a morte de Jesus em nosso corpo’ (cf. 2Cor 4,10).
  
Pois quem tiver em si a morte de Jesus, precisa também ter em seu corpo a vida do Senhor Jesus. Atue, portanto, a morte em nós, para que também possa agir a vida. Vida excelente depois da morte, isto é, vida excelente depois da vitória, vida excelente, terminado o combate.

Nela a lei da carne já não luta contra a lei do espírito, não há mais em nós peleja  da morte contra o corpo, mas no corpo, a vitória sobre a morte. E francamente não sei qual tem maior força, esta morte ou a vida. É claro que atendo à autoridade do Apóstolo que diz:

‘Portanto a morte age em nós, mas a vida, em vós’ (2Cor 4,12). A morte de um só a quanta gente faz crescer a vida! Por isto ensina ser desejável esta morte aos que ainda estão nesta vida, para que refulja em nossos corpos a morte de Cristo, aquela ditosa pela qual se destrói o ser exterior, ‘a fim de ser renovado nosso homem interior’ (cf. 2Cor 2,16) ‘e se desfaça nossa habitação terrena’ (cf. 2Cor 5,1), abrindo-se assim para nós a habitação celeste.

Imita, portanto, a morte, que se separa da união com esta carne e desata os laços de que fala o Senhor mediante Isaías: ‘Desata as cadeias iníquas, solta os laços das altercações violentas, deixa livres os oprimidos, rompe todo limite injusto’(Is 58,6).

O Senhor aceitou sujeitar-Se à morte para que a culpa desaparecesse. Mas, para não ser de novo a morte o fim da natureza humana, foi-lhe dada a Ressurreição dos mortos, para que pela morte se apagasse a culpa, pela Ressurreição se perpetuasse a natureza.

Por isso, a morte é a passagem de tudo. É preciso que passes continuamente; passagem da corrupção para a incorrupção, da condição mortal à imortalidade, das perturbações para a tranquilidade.

Por isto não te assuste a palavra morte, mas os benefícios da boa passagem te alegrem. Pois, que é a morte a não ser a sepultura dos vícios, o despertar das virtudes? Por isto disse Ele:

‘Morra minha alma nas almas dos justos’ (Nm 23,10), quer dizer, seja consepultada para depor seus vícios, assumir a graça dos justos, que trazem no corpo e na alma a morte de Cristo. ”

O Apóstolo Paulo também afirma:“Mas se morremos com Cristo, acreditamos que também viveremos com Ele, cientes de que Cristo, ressuscitado dos mortos, não morre mais; a morte já não tem domínio sobre Ele.” (Rm 6,8-9).

É preciso que esperemos pacientemente até o tempo oportuno, e então a alegria da vida eterna será nossa recompensa, e, de fato, a morte será a passagem de tudo.

Evidentemente, não se trata aqui do culto à morte, mas o olhar de fé sobre ela, que a transcende. Ninguém deve procurar a morte, ao contrário, lutamos contra ela a cada instante, mas ela não tem a última palavra.

Não se faz apologia da morte pela violência, fome, injustiças, perseguições, dependência de drogas, falta de atendimento médico e de recursos que a evitariam, ou a quaisquer outras situações.

Seja, de fato, a morte, uma “boa passagem”, um processo natural, não por imposição externa, intervenção das condições sociais as quais somos submetidos.

Também seja como o processo natural de um grão de trigo que se submete à morte, para não ficar só, mas morrendo produz muitos frutos, como  nos falou o Senhor – “Se o grão de trigo, ao cair na terra, não morrer, ficará sozinho. Mas, se morrer, produzirá muito fruto. Quem tem apego à sua própria vida, vai perdê-la; quem despreza a própria vida neste mundo, vai guardá-la para a vida eterna” (Jo 12,24-25).

Batismo: desposados pelo Senhor

 


Batismo: desposados pelo Senhor

Sejamos enriquecidos pela Catequese batismal do Bispo e Doutor da Igreja, São João Crisóstomo (séc. V):

“Hoje é o último dia da catequese, por isso eu, o último de todos, também cheguei ao último dia, porém chego ao final com o anúncio de que o esposo virá dentro de dois dias.

Mas levantai-vos, acendei as vossas lâmpadas e recebei com luz resplandecente o rei dos céus!

E de fato, este é o costume do cortejo nupcial: que as esposas sejam entregues aos esposos ao anoitecer. Porém, não vos façais de surdos ao escutar a voz de que chega o esposo, porque é uma voz realmente potente, e está cheia de bondade.

Não ordenou que na natureza dos homens fosse para Ele, mas Ele pessoalmente veio junto a nós, e acontece que, na realidade, a lei de núpcias é esta: que o esposo venha à esposa, mesmo que ele seja riquíssimo e ela, por outro lado, pobre e menosprezada.

Entretanto, nada há de estranho que isso aconteça entre os homens. Na realidade, se em questão de mérito a diferença pode ser muita, a diferença de natureza, porém, é nula: por rico que seja o esposo, e por indigente e pobre que seja a esposa, ambos são, contudo, da mesma natureza.

Porém, tratando-se de Cristo e da Igreja, a maravilha está em que Ele, apesar de ser Deus e possuir aquela bem-aventurada e puríssima substância – e sabeis quanto se diferencia dos homens! -, dignou-Se descer a nossa natureza e, deixando a Sua casa paterna, correu para a Esposa, não com um simples deslocamento, mas pela ação da Encarnação.

Conhecedor, portanto, disto, e admirado do excesso de solicitude e de estima, o próprio bem-aventurado Paulo proclamava dizendo: ‘Por isto o homem deixará ao seu pai e a sua mãe e se unirá a sua mulher: este mistério é grande, mas me refiro a Cristo e à Igreja’.

E o que tem de admirável que tenha vindo à esposa, quando nem sequer se negou a dar a sua vida por ela?

Contudo, nenhum esposo dispõe sua vida por sua esposa, e acontece que ninguém, nenhum enamorado, por louco que esteja, abra-se tanto no amor de sua amada, como Deus se consome pela Salvação de nossas almas:

‘Mesmo que tenha que ser cuspido – diz -, ser espancado e subir à própria cruz, não me negarei a ser crucificado, contanto que possa acolher a esposa’”. (1)

Roguemos a Deus para que nos conceda Sabedoria para vivermos o Batismo que é dom, graça e missão.

Urge que nos coloquemos como Igreja, num caminho sinodal, mergulhando no mar da proximidade, compaixão, solidariedade fortalecendo os vínculos da comunhão caridade, na vivência das virtudes divinas que nos movem: fé, esperança e caridade.

 

(1) Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes – 2013- pág. 249-250

 

Em poucas palavras...

                                                    


Chorar por amor do Amado

“Lembrouse o amigo dos seus pecados, e por temor ao inferno quis chorar e não pôde.

Pediu lágrimas ao amor, mas a Sabedoria respondeulhe que mais frequente e fortemente devia chorar por amor do seu Amado do que por temor das penas do inferno, pois agradamlhe mais os prantos que são por amor do que as lágrimas que se derramam por temor” (1)

 

(1)          R. Llull, Livro do Amigo e do Amado, 341

 

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Redescobrir Deus é preciso

                                                         

Redescobrir Deus é preciso

Reflexão à luz da passagem do Livro da Sabedoria (Sb 13,1-9), sobre a necessidade da redescoberta de Deus presente em nossas vidas e em nossa história, na procura da Sabedoria.

Assim lemos no Comentário do Missal Cotidiano:

“As conquistas da ciência, servindo-se das leis que regulam a criação, determinaram um vertiginoso progresso, que levou o homem a sentir-se autossuficiente, dono do próprio destino, a ponto de proclamar a ‘morte de Deus’.

Os fetiches pagãos de outrora, o ar, a água, o fogo, ‘considerados deuses’ (v.3), foram substituídos pela ciência, técnica e o progresso. Vieram depois as amargas autocríticas dos cientistas, as denúncias de ‘morte do homem’ feitas pelos filósofos e a desorientação do homem contemporâneo.

‘Ao recusar frequentemente reconhecer Deus como seu princípio, o homem rompe a ordem que o orientava para o seu fim último e, ao mesmo tempo, quebra toda a harmonia, quer em relação a si mesmo, quer em relação aos outros homens e a toda a criação’ (GS 13). Para retomar o rumo certo, é preciso redescobrir Deus.”

É preciso construir um futuro sem prescindir de Deus, pois qualquer tentativa de construção, qualquer projeto sem Ele volta-se, inevitavelmente contra o próprio homem. De fato, “é preciso redescobrir Deus”.

Na Encíclica Fé e Razão, do Papa São João Paulo II, vemos a relação inseparável e necessária entre ambas; portanto, é preciso que as ciências humanas e divinas sejam, de fato, degraus para chegarmos até o Absoluto de nossas vidas: Deus.

É preciso avançar no conhecimento, nas conquistas das ciências, mas sem se curvar aos novos fetiches ou ídolos. 

Precisamos da ciência, da técnica e do progresso. Não há lugar para discursos retrógrados, mas também não podemos nos curvar para discursos do indiferentismo religioso.

Quando nos concebemos como criaturas, voltamo-nos para o Criador e procuramos descobrir, mergulhar nos mistérios mais profundos do próprio homem, onde Deus habita.

A procura do saber, a inquietação pelo saber jamais se contrapõem à busca da sabedoria maior e necessária, a Sabedoria do Espírito, a Sabedoria Divina.


PS: GS - Gaudium et Spes - Vaticano II 

Apascentados pelo Bom Pastor

 


Apascentados pelo Bom Pastor

Sejamos enriquecidos pelo comentário sobre o Cântico dos Cânticos, escrito pelo Bispo São Gregório de Nissa (Séc. IV), em que nos apresenta uma Oração ao Bom Pastor.

“Onde apascentas, ó Bom Pastor, que carregas nos ombros todo o rebanho? (pois uma é a ovelha, a natureza humana que puseste sobre os ombros). Mostra-me o lugar da quietude, leva-me à erva boa e nutritiva, chama-me pelo nome e, assim, eu que sou ovelha, ouvirei Tua voz; e por causa de Tua voz, dá-me a vida eterna. Mostra-me a mim o amado de minha alma (Ct 1,6 Vulg.).

Chamo-Te com esta expressão, porque Teu nome supera todo outro nome e todo entendimento e nem a natureza racional toda inteira pode dizê-lo ou compreendê-lo. Por isto Teu nome, pelo qual se conhece Tua bondade, é o bem-querer de minha alma para contigo. Como não Te amar a Ti que amaste minha alma, embora ainda manchada, a tal ponto que deste a vida pelas ovelhas que apascentas? Impossível imaginar maior amor que o trocar Tua vida por minha Salvação.

Ensina-me onde apascentas (cf. Ct 1,7). Encontrando o campo saudável, tomarei o Alimento Celeste; porque quem dele não se nutre não pode entrar na vida eterna. Correrei à fonte, beberei da água divina que Tu proporcionas aos sedentos. Igual à fonte, deixas correr água de Teu lado, veio aberto pela lança; para quem beber, ela se tornará fonte de água a jorrar para a vida eterna (Jo 4,14).

Se me apascentares deste modo, far-me-ás deitar ao meio-dia, quando, dormindo logo na paz, repousarei na luz sem sombras. O meio-dia não tem sombra, o sol cai a pino; nesta luz, fazes deitar aqueles que alimentaste, ao pores Teus filhos contigo no quarto.

Ninguém será considerado digno deste repouso meridiano, se não for filho da luz e filho do dia. Quem se separa igualmente das trevas vespertinas e matutinas, quer dizer, de onde começa e de onde termina o mal, está no meio-dia e, para nele deitar-se, ali o colocará o Sol da Justiça.

Mostra-me, pois, como repousar e ser apascentada e qual é o caminho para a quietude meridiana. Não aconteça que, escapando-me da guia de tua mão, pela ignorância da verdade, venha a reunir-me com rebanhos estranhos aos Teus.

Falou assim, solícita pela beleza que lhe veio de Deus e desejosa de entender de que modo e para sempre a felicidade existe.”

Esta oração ao Bom Pastor é oportuna, considerando os momentos difíceis porque passamos, com conflitos e guerras no mundo todo, e uma pandemia que persiste e nos inquieta e nos desafia em sua superação, e ainda a crueldade da fome, que condena bilhões à pobreza, enquanto há concentração da riqueza nas mãos de poucos.

Também outras questões próprias em nossas famílias, comunidades, e no âmbito sócio-político podem nos inquietar.

Coloquemo-nos confiantes diante do Bom Pastor, procurando o reencontro da paz e da serenidade, que não podem ser exiladas das entranhas de nosso coração.

Confiantes, rezemos o Salmo 23: – O Senhor é o Pastor que nos conduz, ontem, hoje e sempre. Amém.

Em poucas palavras...

                                                 


A Sabedoria Divina

“Acreditamos que Deus criou o mundo segundo a Sua Sabedoria (Sb 9,9). O mundo não é fruto duma qualquer necessidade, de um  destino cego ou do acaso.

Acreditamos que ele procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas participantes do seu Ser, da Sua Sabedoria e da Sua bondade: «porque Vós criastes todas as coisas e, pela vossa vontade, elas receberam a existência e foram criadas» (Ap 4, 11).

«Como são grandes, Senhor, as vossas obras! Tudo fizestes com Sabedoria» (Sl 104, 24). «O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia estende-se a todas as criaturas» (Sl 145, 9).” (1)

 

 

(1) Catecismo da Igreja Católica - parágrafo n. 295

Em poucas palavras...

                                                        


No deserto do mundo, caminhar com a força do Espírito

Oremos:

“Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob,

Deus da vida e das gerações,

Deus da Salvação,

realizai, ainda hoje as Vossas maravilhas,

para que no deserto do mundo

caminhemos com a força do Vosso Espírito

em direção ao Reino que há de vir.” Amém!   (1)

 

(1) Lecionário Comentado – Volume I Tempo Comum – Editora Paulus– Lisboa – 2010 - pág. 396

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG