segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

“O amor perfeito expulsa o temor”

“O amor perfeito expulsa o temor”

Quaresma é tempo de sermos acolhidos, envolvidos e renovados pela Misericórdia Divina, e muito oportuna é a “Conferência sobre o temor de Deus”, escrita por São Doroteu de Gaza (séc. VI), que nos possibilita a reflexão “o amor perfeito que expulsa o temor”.

O amor perfeito expulsa o temor:
“São João afirma nas epístolas católicas: ‘o amor perfeito expulsa o temor’. O que ele nos quer dizer com isto? De que amor nos fala e de que temor? Pois o profeta diz no salmo: ‘todos os seus santos temei ao Senhor’. E nas santas Escrituras encontramos umas mil passagens semelhantes. Portanto, se os santos que amam o Senhor de tal maneira o temem, como São João pode dizer: O amor expulsa o temor?’”.

- Há dois temores diferenciados: o primeiro, dos que iniciam na piedade, e o outro, dos que chegam à perfeição e ao cume do santo amor:
“Ele quer mostrar-nos que existem dois temores: um inicial e outro perfeito.

O primeiro é o dos que se iniciam na piedade, e o outro é dos santos que chegaram à perfeição e ao cume do santo amor.

Por exemplo: o que cumpre a vontade de Deus por temor dos castigos: ainda é principiante, tal como dissemos, já que não faz o bem por si mesmo, mas por temor aos castigos.

O outro cumpre a vontade Deus porque ama a Deus em si mesmo, e ama especialmente por ser-lhe agradecido. Este sabe o que é o bem, conhece o que é estar com Deus. Este é o que possui o amor verdadeiro, o amor perfeito, como diz São João, e esse amor o leva ao temor perfeito.

Teme e guarda a vontade Deus não para evitar os açoites ou o castigo, mas porque, tendo degustado a doçura de estar com Deus, como dissemos, abomina perdê-la, teme ficar privado dela.

Este temor prefeito, nascido do amor, expulsa o temor inicial. E é por isso que São João diz que o amor perfeito expulsa o temor. Mas é impossível chegar ao temor perfeito sem passar pelo temor inicial”.

Segundo São Basílio, temos modos de agradar a Deus: como escravos, mercenários ou como filhos que fazem o bem pelo bem em si:

“Existe, de fato, como afirma São Basílio, três estados nos quais podemos agradar a Deus: ou realizamos o que agrada a Deus por temor do castigo, e então estamos na condição de escravos; ou buscando a vantagem de uma recompensa, cumprimos as ordens recebidas em vista de nosso próprio proveito, assemelhando-nos, assim, aos mercenários; ou finalmente, cumprimos o bem pelo bem em si, e estamos assim na condição de filhos.

Porque o filho, ao chegar a uma idade madura, cumpre a vontade de seu pai não por temor do castigo, nem para obter uma recompensa, mas porque, amando ao seu pai, guarda para com ele o afeto e a honra devida a um pai, com a convicção de que todos os bens de seu pai lhe pertencem. Este merece ouvir que se lhe diga: ‘Já não és mais escravo, mas filho e herdeiro de Deus por Cristo’”.

- Abraão como modelo de temor perfeito:
“E evidente que já não teme mais a Deus com aquele temor inicial, do qual falamos, mas ama como dizia Santo Antão: ‘Já não temo mais a Deus, mas o amor’.

Do mesmo modo o Senhor, ao dizer a Abraão depois de que este ofereceu a se filho: ‘agora sei que temes a Deus’, queria referir-Se a esse temor perfeito nascido do amor. Se não, como pode dizer-lhe: Agora sei...”

Desculpem-me, mas Abraão tinha realizado tantas coisas! Tinha obedecido a Deus, tinha abandonado todos os seus bens, tinha-se estabelecido em uma terra estrangeira, em um povo idólatra, onde não havia nenhum sinal de culto divino. Mas principalmente tinha suportado essa terrível prova do sacrifício de seu filho. E depois de tudo isso o Senhor diz: ‘agora sei que temes a Deus”.

- Santidade é agir não mais por temor, mas por amor:
“Está muito claro que ali Deus fala do temor perfeito, o dos santos. Porque eles cumprem a vontade de Deus não mais por temor a um castigo, ou para obter uma recompensa, mas por amor, como já dissemos muitas vezes, temendo fazer qualquer coisa contrária à vontade daqueles a quem amam. Por isso São João diz: ‘O amor expulsa o temor’. Os santos não obram mais por temor, mas temem por amor”.

Como discípulos missionários, esta reflexão nos convida a refletir de que modo estamos servindo ao Senhor na ação evangelizadora:

- Temos feito progressos para que a nossa ação seja a mais pura e frutuosa expressão de amor a Deus?

- No fazer a vontade de Deus, no dedicar-se ao trabalho pastoral, com qual dos três estados acima nos identificamos (escravo, mercenário ou filho)?

Supliquemos a Deus para que, acolhidos e envolvidos por Sua misericórdia que nos faz novas criaturas, façamos progressos maiores, para maior correspondência ao Seu infinito amor, pois amor pede amor, tão apenas, como afirmou Santa Teresa:

“... Quando pensarmos em Cristo, sempre nos lembremos do amor com que nos concedeu tantas graças e da grande ternura que nos testemunhou em nos dar tal penhor do muito que nos ama, pois Amor pede amor.”.

Lecionário Patrístico Dominical - pp. 568-569 - Editora Vozes 2013.

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