terça-feira, 5 de novembro de 2024

O Senhor nos chama de múltiplas formas


O Senhor nos chama de múltiplas formas

Santo Antão (séc. IV) nos apresenta três formas de se começar na conversão, chamados pelo amor de Deus, antes de chegar nela a graça e a vocação de filhos de Deus, sejam homens, sejam mulheres.

“Saudação a vossa caridade no Senhor. Irmãos, julgo que existem três tipos de pessoas entre aquelas a quem o Amor de Deus chama: homens ou mulheres.

Alguns são chamados pela Lei do Amor depositada em sua natureza e pela bondade original que forma parte dela em seu primeiro estado, e em sua primeira criação. Quando ouvem a Palavra de Deus não existe nenhuma vacilação; prontamente a seguem.

Assim ocorreu com Abraão, o patriarca. Deus viu que ele sabia amá-Lo, não em consequência de um ensinamento humano, mas seguindo a lei natural inscrita nele, e conforme a qual ele mesmo o havia modelado ao princípio.

E revelando-Se Ele disse: ‘Sai de tua terra e de tua casa, e vem para a terra que Eu te mostrarei’. Sem vacilar, foi-se impulsionado por sua vocação. Isto é um exemplo para os principiantes: se sofrem e buscam o temor de Deus na paciência e na tranquilidade, recebem em herança um comportamento glorioso porque são compelidos a seguir o Amor do Senhor. Este é o primeiro tipo de vocação.

Eis aqui o segundo. Alguns ouvem a Lei escrita, que dá testemunho a respeito dos sofrimentos e suplícios preparados para os ímpios e das promessas reservadas para quem dá fruto no temor de Deus.

Estes testemunhos despertam neles o pensamento e o desejo de obedecer a sua vocação. Davi o testifica dizendo: ‘A Lei do Senhor é perfeita, e é descanso da alma; o Preceito do Senhor é fiel, e instrui ao ignorante’. Assim como em muitas outras passagens que não temos intenção de citar.

E eis aqui o terceiro tipo de vocação: alguns, quando ainda estão começando, têm o coração duro e permanecem nas obras do pecado, Porém Deus, que é todo misericórdia, atrai sobre eles provas para corrigi-los, até que desanimem (daquele caminho) e, comovidos, voltem a Ele.

Doravante O conhecem, e seu coração se converte. Também eles obtêm o dom de um comportamento glorioso como os que pertencem às duas categorias anteriores.

Estas são as três formas de se começar na conversão, antes de chegar nela a graça e a vocação de filhos de Deus.

Alguns há que começam com todas as suas forças, dispostos a desprezar as tribulações, a resistir e manter-se firmes em todos os combates que lhes aguardam, e a triunfar neles.

Creio que o Espírito Se adianta a eles para que o combate seja rápido, e doce a obra de sua conversão. Mostra-lhes os caminhos da ascese, corporal e interior, como converter-se e permanecer em Deus, seu Criador, que faz perfeitas as suas obras. Ensina-lhes como fazer violência, ao mesmo tempo à alma e ao corpo, para que ambos se purifiquem e juntos recebam a herança.

Primeiro se purifica o corpo por jejuns e vigílias prolongadas; e depois o coração mediante a vigilância e a Oração, assim como toda prática que debilita o corpo e corta os desejos da carne” (1).

Como vimos, Deus nos chama de três modos:

- Prontamente e sem vacilação, quando escutamos Seu chamado;

- Tocados pela escuta e acolhida da Palavra de Deus, que nos chama também a viver a mesma fé;

- Acolhidos pela misericórdia divina, que dobra a dureza de nosso coração, aquece e ilumina com o Fogo do Espírito; conhecendo o Senhor, nosso coração se converte.

Neste Tempo Quaresmal, cada um de nós temos a graça de avaliar, rever e reorientar nossos passos na fidelidade ao Senhor.

Podemos ser mais solícitos e prontos para o chamado do Senhor, sem vacilações, letargias que nos retardam aos sagrados compromissos.

Podemos ser mais tocados e iluminados pela Palavra de Deus, que deve ser lida, ouvida, meditada, crida e na vida em prática colocada.

Podemos ainda suplicar ao Senhor que tire nosso coração de pedra e nos dê um coração de carne (cf. Ez 36,26), mais terno, manso e humilde, como assim é o Sagrado Coração de Jesus (cf. Mt 11,29).

Supliquemos a Deus a graça de uma frutuosa caminhada quaresmal, marcada pela conversão de nossa mente e coração, para que tenhamos mesmos sentimentos do Senhor (cf. Fl 2,5-11), impulsionados e iluminados pela Luz do Espírito Santo.


(1) Lecionário Patrístico Dominical – Ed Vozes – 2013 - pp.310-311 

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