domingo, 28 de julho de 2024

Rezando com a matemática (XVIIDTCB)

                                                             

Rezando com a matemática

Um discípulo voltava de suas aulas matinais com a fome própria de um jovem, mas inquieto até que pudesse fazer uma pergunta ao mestre: “Como falar de Deus a partir das operações matemáticas (adição, subtração, multiplicação e divisão)?”

O mestre propôs um itinerário que deveria ser percorrido ao final de quatro tardes, para melhor proveito e assimilação. Outros discípulos também manifestaram desejo de acompanhar este caminhar vespertino. E assim aconteceu em quatro pores do sol.

Por volta das dezessete horas, mestre e discípulos saíram e,  pouco a pouco, o aprendizado da primeira operação: adição. Talvez porque seja de mais fácil aprendizado, mas tão bela e indispensável quanto as demais.

Primeira tarde: como falar de Deus a partir da adição?
Olhando para uma floresta encantadora pela diversidade de árvores, plantas, pequenos animais silvestres, entraram pela trilha adentro. Em determinado momento, o mestre disse: “assim é a floresta, não composta apenas de uma árvore ou espécie animal, isoladamente, mas a soma de todos eles, numa perfeita harmonia.

Assim fez Deus ao criar ao mundo: na soma das parcelas, das unidades, das diferenças, a totalidade de Sua obra. A folha que se soma a outra, forma a copa da árvore; o pequeno animal que soma ao outro, a fauna, e assim, o ecossistema é garantido”.

Pouco mais adiante, uma encantadora cachoeira. O mestre apontou para a mesma e disse: “vejam a água que cai abundantemente e encanta nossos olhos. Nada veríamos se cada gota não se somasse à outra, em gotas incontáveis que formam este pequeno lago, no qual agora vamos molhar nossos pés, porque hoje está frio, mas se verão fosse...”

Voltando à última palavra do mestre sobre a operação em questão: assim é a convivência entre nós. Quando estamos juntos, em ajuda mútua, somando nossos esforços, tudo fica mais fácil, menos tempo consumimos no alcance de objetivos traçados. Somemos sonhos, esperanças, forças, dons e o que de melhor Deus possa em nós ter colocado. Juntemos nossas histórias como parcelas de uma grande somatória, que possa ser a escrita de uma bela história a ser lembrada e contada com o deleite de quem soube somar, ousar, buscar, sonhar...

Segunda tarde: como falar de Deus a partir da subtração?
Durante o dia, os discípulos retomavam o que ouviram na véspera, e ansiavam a segunda tarde e a operação da subtração.

O mestre levou-os a um ateliê, onde um artista esculpia a estátua de um notável da cidade, para ser colocada no centro da praça que tinha seu nome, como reconhecimento e homenagem.

Cinzel e martelo em mãos, lentamente o escultor ia tirando partes da grande pedra. Ainda na metade do trabalho. O mestre observou: “vejam como ele vai tirando pedacinhos milimetricamente. Vai subtraindo com absoluto cuidado, até que a peça ganhe forma, beleza e expressão dos traços de quem se queria representar. Sem que a grande pedra se submetesse à subtração, jamais a obra poderia ser completada.

Assim também somos nós, a cada dia, precisamos ter a coragem de subtrair, da mente e do coração, o que não nos permite ser quem de fato somos; de nos tornarmos uma obra de arte em permanente acabamento, para que imagem de Deus o sejamos.

Temos que subtrair sentimentos que não edifiquem; manias e caprichos que destroem relacionamentos e crescimentos humanos, afetivos, psicológicos, espirituais, intelectuais, e quanto mais se possa dizer.

Os bens que possuímos também não podem nos cegar. O desapego e o desprendimento de coisas materiais são operações de subtração que nos aproximam mais de Deus”.

Ao voltar, o jardineiro ainda cuidava do jardim, podando corretamente as flores, no tempo e na medida. O mestre parou e o apontou aos discípulos dizendo: “Estão vendo o jardineiro podando a roseira? Sem estes cortes, podas, subtrações de galhos não haverá rosas, e não havendo rosas, não haverá beleza para nosso olhar e odor exalado para nossos sentidos, e tão pouco para expressão de amor entre amados e amantes, pais e filhos e tantos outros que veem na troca de flores uma expressão de carinho, respeito, reconhecimento e afeto.”

Um discípulo indagou: “Mas que Deus tem a ver com isto?” Mal formulada a pergunta, o mestre lembrou a passagem do Evangelho sobre a videira (Jo 15, 1-17), com a qual Jesus Cristo Se identifica, e lhes falou das podas necessárias, como dolorosas subtrações para que a videira dê seus frutos: “assim é a nossa vida: também feita de subtrações, de perdas que se tornam ganhos. De podas doloridas que, se relidas a partir da fé, são certeza de um novo florescer e frutificar”.

Voltaram para casa, todos recolhidos em profundo silêncio. Talvez lembrando o som do martelo do escultor, o barulho da tesoura do jardineiro, as perdas que cada um de nós temos que passar para que se tornem ganhos. Talvez, ainda, da subtração da própria vida, como Jesus o fez: subtraídas Sua beleza e todas Suas forças na Cruz, expirou. Morrendo, Ressuscitou!

Terceira tarde: como falar de Deus a partir da multiplicação?
Aonde levaria os discípulos para lhes falar da multiplicação? Primeiramente, passaram numa pequena Igreja local, no momento em que terminava um retiro espiritual. O mestre se dirigindo ao coordenador do mesmo, perguntou como fora o lanche e o almoço daquele dia.

A resposta foi a mesma que muitas vezes vimos acontecer: estavam todos felizes com o dia de oração, e ninguém com fome, porque o almoço foi comunitário; todos colocaram em comum o que levaram. Todos comeram e ainda sobrou. Aliás, enquanto conversavam, rapidamente, uma mesa foi preparada com os alimentos que sobraram. Os discípulos e todos puderam fazer um lanche para seguir adiante.

O mestre caminhando para o retorno, enfatizou: “quando se multiplica o que temos, sempre sobra. Quando retemos o que temos sempre nos falta e sempre insatisfeitos ficamos. Assim fez Jesus naquele dia num lugar deserto, em que um menino tinha cinco pães e dois peixes e Ele fez o sinal da multiplicação, e todos comeram e ficaram saciados. Foi a mais bela lição da multiplicação que possuímos para que ninguém morra de fome, pois a Sua Palavra tem poder e é garantia de êxito: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’.

Assim acontece em cada Eucaristia que celebramos: aprendemos que ninguém pode viver isoladamente, para si, pois assim empobreceria o seu viver e jamais saberia o gosto da saciedade e da felicidade. Somente sabe a beleza e o gosto da alegria quem sabe multiplicar os dons e talentos que o Senhor nos confiou, e nunca dizer que nada tem para oferecer; que nada pode fazer”.

O discípulo completou: “aprendamos que, com Deus, o que temos, ainda que pouco, com amor partilhado, é multiplicado e ainda haverá sobra, jamais desperdício. Que se recolha o que sobrou, para que ninguém fique privado do melhor que Deus tem à humanidade oferecer”.

Não puderam ir a mais lugar algum, a não ser o propósito de relerem na oração da noite, a passagem que o mestre se referira: Jo 6,1-21.

Quarta tarde: como falar de Deus a partir da divisão?
Naquela última tarde, o mestre levou-os a uma casa muito simples. Uma família sentada ao redor da mesa (as famílias precisam voltar a se encontrar ao redor da mesma para a refeição tanto quanto possível).

Mas a casa era tão pequena, como haveria de colocar todos lá dentro? Fizeram uma escolha entre eles de quem acompanharia o mestre e este descreveria os fatos lá vistos e sentidos.

Assim se fez. O discípulo lhes contou, ao retornarem, que, antes de comerem, o pai fez uma oração breve, agradecendo a Deus a comida servida, como bênção divina concedida. Pediu que Deus abençoasse aquele alimento, e que ele jamais faltasse na mesa de tantas outras famílias. Como a família era de poucos recursos econômicos, não tinha tanta comida na panela, como se previra, disse o discípulo:

“Chamou-me a atenção que a mãe serviu dividindo igualmente a quantidade de comida em cada prato. Todos comeram. Em seguida a mãe trouxe algumas frutas colhidas no quintal, dividiu entre todos, e disse: ‘Leve para os amigos de vocês estas frutas. Ficaremos felizes se levarem’”.

O mestre assim completou: “Quando aprendemos dividir o que temos nada nos falta. Quando a mesquinhez, ambição desmedida toma conta de nós, tornamo-nos insatisfeitos, consumistas, insaciáveis.

De fato somente o pão que partilhamos sacia nossa fome; somente a água que partilhamos sacia nossa sede; somente a roupa que partilhamos nos veste e nos protege do frio; somente a lágrima que secamos, faz secar as que em nós também vertem; somente os sonhos que ressuscitamos afastam de nós pesadelos; somente a poesia e o canto que exalta a beleza da vida divulgamos, devolve a poesia e encanto a viva que temos... somente...”

E assim, mestre e discípulos continuaram: “somente...”.
Quase chegando em sua casa, completou o mestre: “Assim aconteceu com Jesus Ressuscitado,  que no partir do Pão, na casa de Cléofas e o outro discípulo, os discípulos de Emaús (Lc 24,13-34), que somente Se tornou reconhecido no partir do pão.

Assim acontece com o Pão partilhado no Banquete da Eucaristia: reconhecemos a presença de Jesus, vivo e presente no Pão Consagrado e na Mesa: dividido, partilhado, comungado. Ele que pouco antes faz arder nosso coração quando a Palavra é proclamada”.

Quinta tarde:
Houve quinta tarde?
Mas não são quatro as operações fundamentais da matemática?
Então...
A quinta tarde acontece se quisermos.
A quinta tarde acontece se nos propusermos.

Que a quinta tarde sejam todas as tardes que virão depois, como tardes que não se repetem e que têm sua beleza própria. Em cada tarde, voltemos às quatro tardes e retomemos as operações da matemática em nossa vida.

Há tardes que nos levam a meditar sobre outras:
- Aquela tarde que nos falou o salmista – “Se à tarde nos vem o pranto visitar, a alegria pela manhã nos vem saudar” ( Sl 29, 6).

- Aquela tarde da Paixão – da morte do Senhor, que mudou a nossa vida. Aquela tarde em que o Amor foi crucificado, para que Ressuscitasse na madrugada da Ressurreição: porque o Amor é eterno, e com Amor eterno Deus nos amou.

- Aquela tarde em que Jesus caminhou com os discípulos de Emaús explicando-lhes as escrituras e, por fim, ouvindo dos mesmos – “Fica conosco Senhor”.

Rezar a partir da matemática é possível. Quando assim acontecer nos tornaremos mais humanos, fraternos, expressões vivas da misericórdia e ternuras divinas, e misericordiosos como o Pai, que não Se cansa de fazer todas as operações para que vida plena e feliz todos tenhamos, o seremos. 


PS: apropriado para a reflexão da passagem de Marcos (Mc 8,1-10; Jo 6,1-15)

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