quinta-feira, 24 de outubro de 2024

“Vede como eles se amam”

                                                           

                                 “Vede como eles se amam”

“Que Deus vos conceda, segundo a riqueza da Sua glória, serdes
 robustecidos, por Seu Espírito, quanto ao homem interior, que
Ele faça habitar, pela fé, Cristo em vossos corações, que
estejais enraizados e fundados no amor.” (Ef 3,16-17)

Tertuliano (séc. III) foi um grande autor dos primeiros momentos do cristianismo. Nascido em Cartago, na província romana da África, foi o primeiro autor cristão a produzir uma obra literária (corpus) em latim. Foi também um notável apologista cristão e um polemista contra as heresias que se multiplicavam.

Neste texto, ele nos apresenta o jeito próprio dos cristãos viverem, no qual encontramos a conhecida e célebre afirmação: “Vede como se amam”.

“Nossa congregação (dos cristãos) é um corpo de membros unidos com o conhecimento de um Deus, por uma unidade de doutrina e por uma comunhão de uma esperança.

Reunimo-nos em assembleia ou congregação, e, como que vinculados e preparados para a batalha, colocamos Deus sitiado com nossas Orações. Esta força é agradável a Deus.

Oramos também pelos imperadores, por seus ministros e autoridades, pelo bem-estar temporal, pela paz geral, e para que o juízo final seja adiado.

Reunidos, temos lição da Sagrada Escritura, e se dão avisos e advertências segundo os acontecimentos e as ocupações, e aconselhando se determina (o que fazer).

Ali, com as Palavras da Santa Escritura, apascentamos a fé, elevamos a esperança, arraigamos a confiança, e os ensinamentos dos divinos Preceitos os ajustamos com novos complementos.

Nestas reuniões tem lugar as exortações, as reprovações, e se fulminam as censuras. Porque se julgam as coisas com grande severidade, como aqueles que sabem que estão sob o olhar de Deus...

Nossos presidentes são presbíteros anciãos que alcançaram esta honra, não com dinheiro, mas com o testemunho e vida: porque aqui a honra não se compra a não ser com bons hábitos.

Ainda que tenhamos uma espécie de caixa, isto não traz honra, nem se compra ou redime-se a dignidade cristã, mas são doações  voluntárias dos membros. Que cada um dê uma moedinha cada mês, ou quando quer ou quanto pode, ou da maneira que quer: porque a doação é agradável (a Deus).

Esta soma é o depósito da piedade que dali se tira, não para gastos com banquetes, bebidas exageradas, nem glutonarias, mas para alimentar ou enterrar aos pobres, ou ajudar aos meninos e meninas que perderam os seus pais e seus ganhos, ou aos anciãos confinados em suas casas, aos náufragos, aos presos nos cárceres, ou os que trabalham nas minas, ou estão desterrados, nas ilhas unicamente por causa da religião. Todos estes são afilhados que a religião cria, porque sua confissão os sustenta.

Mas é justamente esta demonstração de grande amor entre nós o que nos atrai a aversão de alguns, pois dizem: ‘Vede como se amam’, enquanto eles somente se odeiam entre si. ‘Vede como estão dispostos a morrer uns pelos outros’, enquanto que eles estão mais dispostos a matarem-se entre si.

Caluniam-nos pelo fato de que nos chamemos ‘irmãos’, a meu entender somente porque entre eles todo nome de parentesco não são demonstrações de amor, usa-se somente com falsidade disfarçada.

Contudo, somos inclusive irmãos vossos em virtude da natureza, mãe comum dos homens, por mais que vós não pareceis irmãos dos homens, sendo homens sem humanidade.

Com quanta maior dignidade se chamam e são verdadeiramente irmãos os que reconhecem a um único Deus como Pai, os que beberam de um mesmo Espírito de santidade, que esperam uma mesma herança, que nasceram de um mesmo ventre da cega ignorância; que, ao nascer, com o repentino reflexo deram pavorosamente com a luz da verdade?

Por isso nos tem por irmãos menos legítimos, porque de nossa irmandade não se compuseram tragédias, ou porque as rendas que entre vós desfaz a irmandade, entre nós a estabelece e fortalece, e é desta forma que nós temos as almas e os corações unidos, não recuamos unir e partilhar os bens”. (1)

A pertinência deste texto é incontestável, sobretudo se ouvirmos atentamente os apelos que o Papa Francisco nos apresentou em sua Exortação “Evangelii Gaudium”, em que nos exorta a sermos uma Igreja em saída, verdadeiramente missionária.

Para isto é preciso que se fortaleçam os vínculos da comunidade em efetiva e afetiva vivência da fé, caridade e esperança, enraizados e fundados no Amor de Cristo, como nos falou o Apóstolo Paulo (Ef 3,17).

Toda comunidade apesar de suas fraquezas e limitações deve se empenhar para ser uma comunidade em que seus membros se amem, e sejam no mundo sinal deste amor, tão somente assim serão sal, fermento e luz do mundo, fortalecidos pela ação e presença do Espírito Santo.



(1) Lecionário Patrístico Dominical - Editora Vozes - 2013 - pp.239-241.

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