O Senhor nos refaz de todos os cansaços
Ofereço alguns trechos da Homilia feita pelo Papa Francisco na Missa do Crisma, Quinta-feira Santa, dia 2 de abril de 2015:
«A minha mão estará sempre com ele / e o meu braço há de torná-lo forte» (Sl 89/88, 22).... Assim pensa o nosso Pai cada vez que «encontra» um Padre. E acrescenta: «A minha fidelidade e o meu amor estarão com ele / (...) Ele me invocará, dizendo: “Tu és meu Pai, / és o meu Deus e o rochedo da minha salvação”» (vv. 25.27)
...E, se o Senhor pensa e Se preocupa tanto com o modo como poderá ajudar-nos, é porque sabe que a tarefa de ungir o povo fiel não é fácil, é dura; causa fadiga e leva-nos ao cansaço. E nós experimentamo-lo em todas as suas formas: desde o cansaço habitual do trabalho apostólico diário até ao da doença e da morte, incluindo o consumar-se no martírio.
O cansaço dos Sacerdotes! Sabeis quantas vezes penso nisto, no cansaço de todos vós? Penso muito e rezo com frequência, especialmente quando sou eu que estou cansado. Rezo por vós que trabalhais no meio do povo fiel de Deus, que vos foi confiado; e muitos o fazem em lugares demasiado isolados e perigosos. E o nosso cansaço, queridos Sacerdotes, é como o incenso que sobe silenciosamente ao Céu (cf. Sl 141/140, 2; Ap 8, 3-4). O nosso cansaço eleva-se diretamente ao coração do Pai.
Estais certos de que também Nossa Senhora se dá conta deste cansaço e, imediatamente, fá-lo notar ao Senhor. Como Mãe, sabe compreender quando os seus filhos estão cansados, e só disso se preocupa. «Bem-vindo! Descansa, filho. Depois falamos... Não estou aqui eu, que sou tua Mãe?»: dir-nos-á ao abeirarmo-nos d’Ela (cf. Evangelii gaudium, 286). E dirá, ao seu Filho, como em Caná: «Não têm vinho!» (Jo 2, 3).
Pode acontecer também que, ao sentir o peso do trabalho pastoral, nos venha a tentação de descansarmos de um modo qualquer, como se o repouso não fosse uma coisa de Deus. Não caiamos nesta tentação! A nossa fadiga é preciosa aos olhos de Jesus, que nos acolhe e faz levantar o ânimo: «Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei de aliviar-vos» (Mt 11, 28)...
Sei repousar recebendo o amor, a gratidão e todo o carinho que me dá o povo fiel de Deus? Ou, depois do trabalho pastoral, procuro repousos mais refinados: não os repousos dos pobres, mas os que oferece a sociedade de consumo? O Espírito Santo é verdadeiramente, para mim, «repouso na fadiga», ou apenas Aquele que me faz trabalhar? Sei pedir ajuda a qualquer sacerdote experiente? Sei repousar de mim mesmo, da minha autoexigência, da minha autocomplacência, da minha autorreferencialidade?
Sei conversar com Jesus, com o Pai, com a Virgem Maria e São José, com os meus Santos padroeiros e amigos, para repousar nas suas exigências – que são suaves e leves – nas suas complacências – eles gostam de estar na minha companhia – e nos seus interesses e referências – só lhes interessa a maior glória de Deus? Sei repousar dos meus inimigos, sob a proteção do Senhor? Vou argumentando, tecendo e ruminando repetidamente cá para comigo a minha defesa, ou confio-me ao Espírito Santo que me ensina o que devo dizer em cada ocasião? Preocupo-me e afano-me excessivamente ou encontro repouso, dizendo como Paulo: «Sei em quem acreditei» (2 Tm 1, 12).
Repassemos brevemente os compromissos dos Sacerdotes, que proclama a liturgia de hoje: levar a Boa-Nova aos pobres, anunciar a libertação aos cativos e a cura aos cegos, dar a liberdade aos oprimidos e proclamar o ano de graça do Senhor. Isaías diz também cuidar daqueles que têm o coração despedaçado e consolar os aflitos.
Gostaria agora de partilhar convosco alguns cansaços, em que meditei.
Temos aquele que podemos chamar «o cansaço do povo», o cansaço das multidões»: para o Senhor, como o é para nós, era desgastante – di-lo o Evangelho – mas é um cansaço bom, um cansaço cheio de frutos e de alegria.
O povo que O seguia, as famílias que lhe traziam os seus filhos para que os abençoasse, aqueles que foram curados e voltavam com os seus amigos, os jovens que se entusiasmavam com o Mestre… Não Lhe deixavam sequer tempo para comer. Mas o Senhor não Se aborrecia de estar com a gente. Antes pelo contrário, parecia que ganhava nova energia (cf. Evangelii gaudium, 11)...
É o cansaço do Sacerdote com o cheiro das ovelhas, mas com o sorriso de um pai que contempla os seus filhos ou os seus netinhos. Isto não tem nada a ver com aqueles que conhecem perfumes caros e te olham de cima e de longe (cf. ibid., 97).
Somos os amigos do Noivo: esta é a nossa alegria. Se Jesus está apascentando o rebanho no meio de nós, não podemos ser pastores com a cara azeda ou melancólica, nem – o que é pior – pastores enjoados. Cheiro de ovelhas e sorriso de pais... Muito cansados, sim; mas com a alegria de quem ouve o Seu Senhor que diz: «Vinde, benditos de meu Pai!» (Mt 25, 34).
Existe depois aquele que podemos chamar «o cansaço dos inimigos». O diabo e os seus sectários não dormem e, uma vez que os seus ouvidos não suportam a Palavra de Deus, trabalham incansavelmente para a silenciar ou distorcer.
Aqui o cansaço de enfrentá-los é mais árduo. Não se trata apenas de fazer o bem, com toda a fadiga que isso implica, mas é preciso também defender o rebanho e defender-se a si mesmo do mal (cf. Evangelii Gaudium, 83)... Eis a Palavra do Senhor para estas situações de cansaço: «Tende confiança! Eu já venci o mundo» (Jo 16, 33). E esta palavra dar-nos-á força.
E, por último (...) há também «o cansaço de nós próprios» (cf. Evangelii Gaudium, 277). É talvez o mais perigoso. Porque os outros dois derivam do fato de estarmos expostos, de sairmos de nós mesmos para ungir e servir (somos aqueles que cuidam).
Diversamente, este cansaço é mais autorreferencial: é a desilusão com nós mesmos, mas sem a encararmos de frente, com a alegria serena de quem se descobre pecador e carecido de perdão, de ajuda; é que, neste caso, a pessoa pede ajuda e segue em frente...
Gosto de lhe chamar o cansaço de «fazer a corte ao mundanismo espiritual». E, quando uma pessoa fica sozinha, dá-se conta de quantos sectores da vida foram impregnados por este mundanismo e temos até a impressão de que não há banho que o possa lavar. Aqui pode haver um cansaço mau.
A palavra do Apocalipse indica-nos a causa deste cansaço: «Tens constância, sofreste por causa de mim, sem te cansares. No entanto, tenho uma coisa contra ti: abandonaste o teu primeiro amor» Ap 2, 3-4).
Só o amor dá repouso. Aquilo que não se ama, cansa de forma má; e, com o passar do tempo, cansa de forma pior.
A imagem mais profunda e misteriosa do modo como o Senhor cuida do nosso cansaço pastoral – «Ele que amara os Seus (…), levou o Seu amor por eles até ao extremo» (Jo 13,1) – é a cena do lava-pés...
O seguimento de Jesus é lavado pelo próprio Senhor para que nos sintamos no direito de ser e viver «alegres», «satisfeitos», «sem medo nem culpa» e, assim, tenhamos a coragem de sair e ir, «a todas as periferias até aos confins do mundo», levar esta Boa-Nova aos mais abandonados, sabendo que «Ele estará sempre conosco até ao fim dos tempos». E, por favor, peçamos a graça de aprender a estar cansados, mas com um cansaço bom!”
Voltamo-nos a esta Homilia para reencontrar as forças e nos refazer de nossos cansaços, como Presbíteros ou como cristãos, cada um de modo próprio.
Além das passagens pelo Papa citadas, a Homilia nos remete a inúmeras passagens bíblicas. Entre elas: Salmo 23, “O Senhor é meu Pastor e nada me faltará”; vários textos dos Evangelhos, em que o Senhor chamou quem Ele quis pelo nome e muitas vezes depois os chamou em lugar a parte para que se refizessem e descansassem; além de várias passagens das Cartas do Apóstolo Paulo; e, por fim, o Livro do Apocalipse, que se refere ao abandono do “primeiro amor”.
Oremos por todos os Sacerdotes...
PS: Desejando, acesse e confira a Homilia na íntegra: http://br.radiovaticana.va/news/2015/04/02/quinta-feira_santa_missa_do_crisma_e_dos_santos_%C3%B3leos/1134004
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