domingo, 7 de julho de 2024

Humildade e mansidão do Senhor (XIVDTCA)

Humildade e mansidão do Senhor

"Vinde, pois, e aprendei de mim,
que sou manso e humilde de coração!"

Na Liturgia do 14º Domingo do Tempo Comum (ano A) ouvimos a passagem do Evangelho (Mt 11,25-30), e somos enriquecidos com o Sermão do Bispo São João Crisóstomo (séc. IV), refletindo sobre a humildade e mansidão de coração de Nosso Senhor.

“Vês, amante de Cristo, quanta seja a misericórdia do Criador para conosco?

Vês como nas mesmas ameaças brilha a benignidade? Vês como Sua misericórdia se antecede a Sua indignação? Vês como o castigo é superado pela bondade?

Isto não é maravilhoso! Porque Ele mesmo é manso e benigno Senhor nosso, e solícito, como é de Seu costume, de nossa salvação, que claramente nos fala no Evangelho, como a pouco nos fazia quando nos lia:

Vinde a mim e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração! Quanto Se abaixa o Criador, e, apesar disso, a criatura não O reverencia!

Vinde e aprendei de mim!, disse o Senhor quando veio aos Seus servos para consolá-los em suas quedas. Assim Cristo Se porta conosco, e assim nos demonstra a Sua misericórdia.

Quando convinha castigar os pecadores e acabar com sua espécie que O irritou, justamente então Se dirige aos réus com Palavras brandas e lhes diz:

Vinde e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração! Deus Se humilha e o homem se ensoberbece!

Manso é o juiz e soberbo o réu! Humilde voz lança o artífice, e o barro fala como se fosse algum rei! Ó, vinde e aprendei de mim, que Sou manso e humilde de coração!

Não vos curvaram os acontecimentos anteriores; não vos amansaram os que logo se seguiram; nem finalmente os que ao pouco sobrevieram!

Porém Ele, como então, também agora, uma vez que fez tremer as criaturas, logo as pacificou com a Sua misericórdia. Vinde, pois, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração!

Ele não vem com chicote para açoitar, mas com nossa natureza para curar! Vinde e vede Sua inefável bondade!

Quem não ama ao amo que não açoita? Quem não se admira do juiz que suplica ao réu? Te enches completamente de admiração a humildade de Suas Palavras?

Sou Artífice e amo a minha obra! Eu sou Obreiro e perdoo aquele que Eu mesmo inventei! Se eu uso do supremo direito que me dá minha dignidade, não levantarei a humanidade caída; e como ela padece de uma enfermidade incurável, se não uso de remédios suaves, ela não poderá se curar!

Se não trato a humanidade e a pessoa humana com benignidade, perece! Se somente uso de ameaças, perde-se! Por isto, aplico, como a quem está caído, medicamentos de suavidade. Abaixo-me ao máximo na comiseração para levantá-la de sua queda!

Aquele que está em pé não consegue levantar ao caído se não abaixar sua mão. Pois vinde e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração! Não falo para ostentação: pelos fatos vos dei experiência. Que Eu seja manso e humilde de coração, podes deduzir do estado em que me vês e ao qual Eu vim.

Analisa minha forma e qual seja minha dignidade: medita-o e adora-me! Por ti me humilhei! Pensa de que lugar desci e em que lugar falo contigo.

Sendo o céu meu trono, agora falo contigo na terra. Nas alturas sou glorificado, porém, como magnânimo, não me encolerizo, porque sou manso e humilde de coração!

Se Eu não fosse um manso Filho do Rei, não teria escolhido por mãe uma serva. 

Se Eu não fosse manso, o Artífice das substâncias visíveis e invisíveis, não teria me desterrado aqui convosco.

Se não fosse manso, não teria estado Eu, o Pai do século futuro, envolto em pano.

Se não fosse manso, não teria suportado a pobreza do presépio, Eu que possuo todas as riquezas de todas as criaturas.

Se não fosse manso, não me teria encontrado entre animais, Eu a quem os querubins não ousam olhar.

Se Eu não fosse manso, que com minha saliva dou vista aos cegos, jamais teria sido cuspido pela boca de homens maus.

Se não fosse manso, nunca teria tolerado a bofetada de um servo, Eu que sou quem dá liberdade aos servos.

Se não fosse manso, jamais teria apresentado minhas costas aos açoites em benefício dos escravos.

Mas por que não digo o que é ainda maior?

Se eu não fosse manso, nunca teria carregado a dívida de morte, Eu que nada devia, em lugar daqueles que deviam padecê-la.” (1)

Concluindo, a mansidão do Senhor e o Seu Amor dão “vertigem”, porque ultrapassam todas as medidas, parâmetros, lógicas humanas.

Neste Coração manso e humilde, o discípulo amado recostou sua cabeça.

Neste mesmo coração também podemos, quantas vezes quisermos, o mesmo fazer, para que nos sintamos amados, perdoados, e renovados para carregar, com fidelidade e coragem, nossa cruz.

Neste Coração manso e humilde encontramos espaço, porque dilatado na Cruz, para que nele coubéssemos. 

Nele encontramos forças para alcançarmos a vida plena e digna já, nesta travessia por que passamos, até que um dia possamos na glória dos céus, entrar, e a face do Pai contemplar, na plena comunhão do Espírito, vivendo e crendo em Jesus, que Se fez o Caminho, a Verdade e a Vida.

Também n'Ele, os enfermos renovam forças; desesperados reencontram a esperança; os fracassos superados seguidos de vitórias; entristecidos reencontram a alegria; aflitos reencontram a paz; pecadores, a pureza de alma; ansiosos, a serenidade; dependentes, a sobriedade; os apáticos e indiferentes se libertam destas amarras em sadios compromissos com a Boa Nova do Reino.

Neste Coração manso e humilde...



(1) Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes – 2013 – pp. 267-268.

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