segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

“Nós vimos a Sua glória”

“Nós vimos a Sua glória”

Sejamos enriquecidos pelo Tratado sobre o Evangelho de São João (Jo 2, 15-16),  sobretudo quando ouvimos na Missa do Dia de Natal a proclamação do capítulo antecedente, sobre o Mistério da Encarnação do Senhor – “O Verbo Se fez carne e habitou entre nós, e nós vimos a Sua glória” (Jo 1, 14), escrito pelo Bispo e Doutor Santo Agostinho (séc. V).

“‘Estes não nasceram nem da vontade da carne nem da vontade do homem, mas de Deus’. Mas para que nasçam os homens de Deus foi preciso que primeiro nascesse Deus dos homens.

Cristo é Deus, e Ele nasceu dos homens. Somente procurou mãe na terra, quem já tinha Pai nos céus. Aquele mesmo que nasceu de Deus é nosso Criador, e também nosso reparador, nascido de uma mulher.

Não te estranhe, ó homem, ser filho Deus pela graça; não te estranhe o teu nascimento de Deus à semelhança do Verbo. É o mesmo Verbo quem consentiu nascer primeiro do homem com a finalidade de assegurar-te o teu divino nascimento.

Agora sim, podes perguntar-te a ti mesmo, por que razão Deus quis nascer do homem. É que foi tanto o que me amou que, para fazer-me imortal, quis nascer Ele mesmo por mim de uma vida mortal.

O Evangelista depois disse: ‘Eles nasceram de Deus’, como previa nossa admiração, nosso assombro e estremecimento em presença da graça tão singular, até o ponto de parecer-nos incrível que os homens nasçam de Deus; e com a finalidade de dar-nos, a partir desta verdade garantias de segurança, prosseguiu:

‘E o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós’. Porque estranhar-se que o homem nasça de Deus? Vede que é o mesmo Deus quem nasce dos homens: E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós.

‘E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós’, e Seu Nascimento é o colírio que limpa os olhos de nosso coração, e desta forma já podem ver Sua grandeza através de Suas humilhações.

O Verbo feito carne, que viveu entre nós, é quem curou os nossos olhos. E o que diz o evangelista na continuação? E vimos a Sua glória.

Ninguém pode ver a Sua glória se não for curado pelas humilhações de Sua carne.

E por que não podemos vê-la? Atenção, meus irmãos, e compreendereis o que quero dizer. A poeira e a terra que caíram nos olhos do homem foi que lhes lesionou e obstaculizou a contemplação da luz.

A estes olhos se lhes dá, depois, uma unção com o pó da terra para que curem, porque também foi a terra a causa de suas feridas. Os colírios e os remédios não são mais do que terra. O pó fez perder a vista e o pó a devolverá.

A carne foi a causa de tua cegueira. O pó fez perder a vista e o pó a devolverá. O consentimento nos afetos carnais fez que a alma fosse carne, e disso veio a cegueira do coração.

‘O Verbo Se fez carne’. Eis aqui o médico que te preparou o colírio. O Verbo veio desta maneira para extinguir por Sua carne os vícios da carne, e destruir com Sua morte o império da morte. Por isso, graças ao produzido em ti pelo Verbo feito carne, tu podes dizer: ‘Contemplamos a Sua glória’.

Que glória é esta? É a glória de ser Filho do homem? Ora, isto é mais humilhação do que glória. Até onde alcança a vista do homem curado pela carne? ‘Temos visto a Sua glória, glória do Filho único do Pai, cheio de graça e de verdade...’ Por agora o que foi dito basta.

Transformai-vos em Cristo, e que se fortaleça a vossa fé, e permanecei para sempre em vigilância e no exercício das boas obras.
Não vos separeis nunca do lenho, que é o único meio de passar o mar”. (1)

Detenhamo-nos em pelo menos três afirmações feitas pelo Bispo:

O papel desempenhado por Maria no Mistério da Encarnação de Deus na história da humanidade:
“Cristo é Deus, e Ele nasceu dos homens. Somente procurou mãe na terra, quem já tinha Pai nos céus. Aquele mesmo que nasceu de Deus é nosso Criador, e também nosso reparador, nascido de uma mulher”

O Nascimento de Jesus é o colírio que limpa os olhos de nosso coração:
‘E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós’’, e Seu Nascimento é o colírio que limpa os olhos de nosso coração, e desta forma já podem ver Sua grandeza através de Suas humilhações. O Verbo feito carne, que viveu entre nós, é quem curou os nossos olhos...”

Transformados em Cristo e jamais nos separar do lenho na travessia do mar da vida:
“Transformai-vos em Cristo, e que se fortaleça a vossa fé, e permanecei para sempre em vigilância e no exercício das boas obras. Não vos separeis nunca do lenho, que é o único meio de passar o mar”.

Tendo celebrado o Natal do Senhor, e contemplado o Mistério da Sua Encarnação, a descida da misericórdia que veio em nosso encontro, como o próprio Bispo afirmou, supliquemos que este Nascimento de Jesus nos dê a graça de contemplar também novos caminhos e fortalecer os vínculos de fraternidade, acolhida, perdão, solidariedade.

Tão somente assim vislumbraremos um novo horizonte, não mais marcado por agonia e melancolia, mas por graça, luz e alegria.

Mas é preciso ao contemplar o Menino Jesus, também contemplar o Mistério da Cruz, que devemos carregar quotidianamente, para que façamos a longa travessia do mar da vida com suas provações, ventos e tempestades, sem jamais naufragarmos nestas.

E bem sabemos que podemos contar com a Mãe de Jesus, Mãe de Deus e nossa, em todos os momentos nesta travessia,


(1) Lecionário Patrístico Dominical - pp. 544-546 - Editora Vozes

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