quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Cura: interação da ação divina e humana

 


Cura: interação da ação divina e humana 

"Pois a glória de Deus é o homem vivo, 

e a vida do homem é a visão de Deus. "

Reflitamos sobre a enfermidade e a cura, quando Jesus curou a sogra de Pedro, bem como a muitos enfermos de diversas doenças, ao final da tarde (Mc 1,29-39; Lc 4,38-44).

Assim lemos no Comentário do Missal Dominical:

“A experiência de uma enfermidade ou de uma situação de perigo pertence à da bagagem de todo homem.

Numa sociedade secularizada não existe o dilema entre dirigir-se ao médico ou recorrer à oração e acender uma vela.

Isto não quer dizer que tenha desaparecido a religiosidade ou que seja sintoma de ateísmo. Talvez se tenha simplesmente mudado o modo de encontrar-se com Deus.

O mundo foi confiado ao homem para que o transforme, construindo uma realidade sempre mais humana através da ciência e da organização social, que constituem o instrumento e as modalidades de transformação.

Esta tarefa se insere no quadro da relação Deus-homem e a ciência se torna seu lugar de encontro. E o é porque o homem, enquanto artífice no meio das realidades terrestres, se torna colaborador de Deus, e a ciência é a nova síntese baseando-se nos elementos do ‘criado-por-Deus’.

A ciência, pois, longe de afastar de Deus, aproxima mais profundamente dele, pelo respeito ao homem.

No quadro da fé, Cristo é libertador-vencedor da morte por Sua Ressurreição. Sua vitória é radical, mas em estado potencial. Cabe ao homem ‘novo’ tornar consistente esta vitória de Cristo.

Vencer a doença pela pesquisa científica significa ‘viver a Ressurreição de Cristo’. A libertação da moléstia, que a ciência realiza, assume uma significação particular no contexto do símbolo da libertação radical.

Debelar uma enfermidade, eliminar uma praga social, é símbolo-sacramento da libertação para a qual o Pai conduz a humanidade.”

Retomo duas afirmações para reflexão:

- “Numa sociedade secularizada não existe o dilema entre dirigir-se ao médico ou recorrer à oração e acender uma vela”;

- “Vencer a doença pela pesquisa científica significa ‘viver a Ressurreição de Cristo’”.

A oração, como expressão da fé em Deus, não dispensa a interação e colaboração do saber humano, das tecnologias, do desenvolvimento dos recursos disponíveis para debelar, curar as enfermidades das quais somos todos vulneráveis.

A fé em Deus, ao contrário, é um impulso para que mais pessoas tenham acesso ao que a medicina pode oferecer para curar e tornar a vida mais digna, mais humana.

A fé não dispensa compromissos com políticas públicas para que todos tenham acesso a um melhor atendimento médico, em Unidades Básicas, Postos de Saúde, Hospitais etc.

A fé em Deus nos leva à indignação e denúncia de desvios dos recursos que deveriam ser revertidos na promoção do bem comum, favorecendo melhores condições de atendimento a um enfermo, sobretudo os mais pobres.

Acender velas a Deus, confiando em Seu poder de curar, é possível e necessário, mas não se pode exigir que Ele faça o que esteja ao alcance de todos nós.

Urge vencer a doença pela pesquisa científica, a cada dia mais avançada, e isto nos faz verdadeiramente pascais, partícipes do Mistério da Paixão e Morte do Senhor, que veio no curar e nos salvar.

A cura de Deus, portanto, é graça, e podemos acender nossas velas em oração, mas sejam favorecidos todos os meios possíveis que o saber científico desenvolveu, como graça de Deus, para que as dores sejam amenizadas, enfermidades curadas.

Cura do corpo e da alma foram ações de Jesus, e serão sempre, pois Deus nos quer vivos e saudáveis, porque fomos criados à Sua imagem e semelhança, e, o Seu sopro de criador, recebemos, e nos tornamos Sua morada.

Finalizo com as palavras do Bispo Santo Irineu (séc. II):

“Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus. Com efeito, se a manifestação de Deus, através da criação dá a vida a todos os seres da terra, muito mais a manifestação do Pai, por meio do Verbo, dá a vida a todos os que veem a Deus”.  

 

 

(1) Comentário do Missal Dominical - pág.893

 

Como amo Tua Palavra, ó Senhor!

                                                          

Como amo Tua Palavra, ó Senhor!

Como amo Tua Palavra, Senhor! Luz para nossos passos,
Palavra que é o fundamento de nossa fé cristã (1Cor 12, 27-28).

À Tua Palavra, lida e meditada em comunidade, que respondemos
Com a nossa vida como um grande “Amém” (Ne 8,6)

Glorificamos a Ti, Senhor, pela comunidade que participamos,
Lugar onde, dia a dia, ritualizamos e celebramos o “sim” dado a Ti.

Não permitas, Senhor, que nossa comunidade se fracione, se disperse,
Ou que seja apenas uma simples coexistência, sem a Tua Palavra.

Afasta o perigo de acolhermos a Tua Palavra,
Mas não vivê-la com autenticidade e não comunicá-la ao mundo.

Dá-nos Teu Espírito para que vivamos o “amém”, o “sim” à Tua Palavra,
Palavra do Pai que Tu és e revelaste aos humildes e pequeninos (Mt 11, 25).

Concede-nos a graça de ouvir a Tua Palavra e vivê-la alegremente,
Na graça da Missão, do anúncio acompanhado do testemunho.

Revigorados pelo Pão de Tua Palavra e nutridos pelo
Pão da Eucaristia, no qual estás verdadeiramente presente:
Verdadeira Comida, Salutar Bebida. Amém.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Em poucas palavras...

 




“A fé nos ajuda a explorar as dimensões da história...”

“A fé ajuda-nos a explorar as dimensões da história: dimensão de profundidade, ajudando-nos a nos elevar até à única fonte, Cristo Ressuscitado; dimensão da largura, ajudando-nos a inscrever o Evangelho na história dos homens; dimensão de altura, revelando-nos nos outros as capacidades criadoras escondidas para juntos conhecermos o amor de Cristo (cf. Ef 3,18s).” (1)

 

 

(1)               Missal Cotidiano - Editora Paulus - pag. 1224 - Comentário da passagem da Carta de Paulo aos Coríntios (1 Cor 2,10b-16)

“Apascentai, Senhor, o Vosso rebanho!”

“Apascentai, Senhor, o Vosso rebanho!”

Quando a Igreja Celebra as Vésperas do “Comum dos Pastores”, eleva orações de riqueza também notável, que ora retomamos para meditação.

Na motivação, faz-se um agradecimento a Cristo, o Bom Pastor que deu a vida por Suas ovelhas, em seguida faz-se as súplicas, acompanhados do refrão: Apascentai, Senhor, o Vosso rebanho!”

Na primeira prece, o reconhecimento do querer de Cristo em comunicar o Seu amor e misericórdia nos santos pastores; e por meio destes, suplicamos que seja sempre misericordioso para conosco.

Na segunda, o reconhecimento que Cristo continua a ser o Pastor das almas através dos Seus representantes na terra; e em seguida, a súplica para que Ele jamais Se canse de dirigir o rebanho por intermédio de nossos pastores.

Na terceira, o reconhecimento de Cristo como o médico dos corpos e das almas, que age por meio dos Seus santos que guiam os povos; e em seguida a súplica para que Ele jamais cesse de exercer para conosco o ministério da vida e da santidade.

Na quarta, o reconhecimento de que Cristo instruiu o rebanho pela sabedoria e caridade dos santos; hoje guiados pelos pastores, uma súplica para estes façam a todos crescer na santidade.

As súplicas a Cristo são pelos pastores, pelo rebanho a eles confiados, para que vivam a misericórdia, cresçam no caminho de vida e santidade, para que tenhamos todos vida plena, neste tempo e na eternidade.

É sempre oportuna e necessária a oração mútua pelos pastores que conduzem o rebanho que o Senhor lhes confiou; da mesma forma os pastores têm, como expressão de salutar ministério, a incessante oração elevada aos céus pelo rebanho que lhe foi confiado, não como propriedade, mas como responsabilidade, para que dele cuide com mesmo zelo que o Bom Pastor fez e espera que façam.

“Sai deste homem”

                                                      

“Sai deste homem”

Sejamos enriquecidos pelo Comentário do Evangelho de São Marcos, escrito por São Jerônimo, Doutor da Igreja (séc. IV).

“E Jesus ameaçou: Cala-te e sai deste homem. A verdade não necessita de testemunho da mentira. Não vim para ser reconhecido pelo teu testemunho, mas para precipitar-te de minha criatura. Não é belo o louvor na boca do pecador.

Não necessito do testemunho daquele ao qual quero atormentar. Cala-te. Teu silêncio seja o meu louvor. Não quero que a tua voz me louve, mas os teus tormentos: tua pena é meu louvor. Não me é agradável que me louves, mas que se retire.

Cala-te e sai deste homem. Como se dissesse: sai de minha casa, o que fazes em minha morada? Eu desejo entrar: Cala-te e sai deste homem. Deste homem, ou seja, deste animal racional. Sai deste homem: abandona esta morada preparada para mim. O Senhor deseja a sua casa: sai deste homem, deste animal racional.

Sai deste homem, disse também em outro lugar a uma legião de demônios, para que saíssem de um homem e entrassem nos porcos. Vede quão preciosa é a alma humana. Isto contradiz àqueles que creem que nós e os animais temos uma mesma alma e trazemos um mesmo espírito.

De um só homem é lançada a legião e enviada a dois mil porcos, o que nos permite ver que é precioso o que se salva e de pouco valor o que se perde. Sai deste homem e vai-te para os porcos, vai-te para os animais, vai-te para onde queiras, vai-te aos abismos.

Abandona ao homem, ou seja, abandona uma propriedade particularmente minha. Sai deste homem: não quero que tua possuas ao homem; para mim é uma injúria que habites no homem, sendo Eu o que habita nele. Eu assumi o corpo humano, Eu habito no homem. Essa carne que possuís é parte da minha carne, portanto, sai deste homem.

E o espírito imundo, agitando-o violentamente... Com estes sinais mostrou sua dor, agitando-o violentamente. Aquele demônio, ao sair, como não podia causar dano à alma, o fez ao corpo, e, como não podia fazer-se compreender por outro meio, manifesta com sinais corporais que saiu.

E o espírito imundo, agitando-o violentamente... Porque ali estava o espírito impuro que foge do espírito puro. E dado um grito, saiu dele. Com o clamor da voz e a agitação do corpo manifestou que saia”. (1)

Vemos quão preciosos somos aos olhos de Deus, de modo especial, considerando estas duas afirmações de São Jerônimo, a partir da ação libertadora de Jesus, com sua Palavra:

- “De um só homem é lançada a legião e enviada a dois mil porcos, o que nos permite ver que é precioso o que se salva e de pouco valor o que se perde”;

- “’Sai deste homem’: não quero que tua possuas ao homem; para mim é uma injúria que habites no homem, sendo Eu o que habita nele. Eu assumi o corpo humano, Eu habito no homem. Essa carne que possuís é parte da minha carne, portanto, ‘sai deste homem’”.

Seja a ação evangelizadora o empenho efetivo em promoção e defesa da dignidade e sacralidade da vida, desde sua concepção até o seu declínio natural.

É tempo de reaprendermos o valor da existência humana como morada de Deus, e, portanto, qualquer sinal que expresse sua violação, mutilação, deve ser superado.
  
(1) Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes – 2013 –pp.377-378 
Apropriado para as passagens: Mc 1,21-28; Lc 4,31-37

Somos libertos pela Palavra e ação de Jesus

 


Somos libertos pela Palavra e ação de Jesus
 
“O que é isso? Um ensinamento novo, dado com autoridade...
Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!”
 
Deus tem um Projeto de liberdade e vida plena para a humanidade, que se contrapõe aos projetos marcados pelo egoísmo, escravidão de toda forma e morte.
 
Na passagem do Evangelho (Mc 1,21-28), vemos a ação de Jesus, o Filho de Deus, que vem cumprir o Projeto de libertação.
 
Depois de apresentar o chamamento dos discípulos, o Evangelista apresenta uma jornada ministerial do Senhor, com Sua autoridade revelada no ensino e diante dos “espíritos impuros”.
 
Com Sua Palavra e ação, Jesus renova aqueles que O acolhem e acreditam em Sua Palavra, tornando-os verdadeiramente livres do egoísmo, do pecado e da própria morte.
 
A ação de Jesus faz suscitar a interrogação daqueles que O viram ensinar e expulsar os demônios: “Que vem a ser isto? Uma nova doutrina e com que autoridade!”. Também nós devemos nos perguntar “quem é Jesus para nós?”
 
Jesus veio nos libertar de tudo o que nos faça “prisioneiros” e nos roube a vida e a alegria de viver. Com Sua Palavra e ação, Jesus nos revela que Deus não desistiu da humanidade, e quer conduzi-la à vida plena e feliz.
 
Seus seguidores não poderão cruzar os braços, continuando a Sua missão na luta contra os “demônios” de tantos nomes, que roubam a vida e a liberdade das pessoas.
 
O discípulo de Jesus, com Sua Palavra e presença, luta na libertação de todos os demônios que desfiguram as pessoas, para que estabeleçamos relações mais fraternas.
 
Ser discípulo consistirá em percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu, lutando até o fim, em total doação da vida para que tenhamos um mundo mais humano, mais livre, mais solidário, mais justo e mais fraterno. Sendo assim, é inconcebível que os discípulos cruzem os braços, de olhos voltados para o céu.
 
Há um mundo a ser transformado e, como Igreja em saída (como tem insistido o Papa Francisco), não podemos ficar fechados em nossas sacristias, mas assumir corajosamente, com a força do Espírito, com sabedoria e criatividade, a dimensão missionária, elemento constitutivo da Igreja, presença nas mais diversas realidades, em incansável empenho para a transformação das realidades:  familiar, social, política, econômica, cultural, do trabalho e da comunicação.
 
Nem sempre isto se dá de modo tranquilo, porque pode gerar conflitos, divisões, sofrimentos, incompreensões, perseguições, mas vale a pena, porque é fiel Àquele que prometeu jamais nos desamparar, jamais nos deixar órfãos na missão por Ele confiada, afinal nos comunicou o Seu Espírito, que nos assiste em todos os momentos.
 
O discípulo de Jesus é alguém que embarcou nesta aventura de amor que dá sentido à vida, o que nos torna cúmplices e instrumentos nas mãos de Deus, para que construamos um mundo novo, de homens e mulheres livres e felizes.
 
Com o coração seduzido e inflamado por Jesus, que voltou para nós o Seu olhar de amor e nos chamou pelo nome, não há como voltar atrás; de modo que, quem pelo Senhor sentiu-se amado, já não pode mais viver sem o Seu Amor, a Sua Palavra e presença.
 
 
 
(1) Missal Quotidiano, dominical e ferial – Paulus – Lisboa – p.1177
 
P
S: Oportuno para reflexão sobre a passagem do Evangelho de Lucas (Lc 4,31-37).

“Cala-te e sai dele”

                                                       


“Cala-te e sai dele”

Na terça-feira da 22ª Semana do Tempo Comum, ouvimos a passagem do Evangelho de Lucas (Lc 4,31-37).

Trata-se na ação de Jesus na sinagoga, em dia de sábado, libertando um homem possuído pelo espírito de um demônio impuro.

A vitória de Jesus sobre o demônio revela o plano que Deus tem, e Jesus veio realizar, porque Jesus é o “Santo de Deus”, a intervenção de Deus, autorizado por força de palavra e poder de ação, em nosso mundo sujeito a outro poder, o poder do mal.

Com a passagem, contemplamos Jesus dando início ao Seu Ministério, ensinando e curando, com autoridade.

Esta autoridade consiste em falar de modo que aqueles que O ouvem se encontrem com a pessoa do Mestre, e pondo-se a caminho viverão a fidelidade no amor incondicional, como discípulos missionários Seus.

Muitos que O ouviram puseram a falar d’Ele, e esta é a nossa missão: comunicar a experiência que fazemos com Ele, do mesmo modo que fizeram os Seus apóstolos - “Pois não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos” (At 4,20).

Que o Espírito do Senhor, que com Ele estava, também nos acompanhe em todos os momentos.

Concluo com as palavras de São Cirilo de Jerusalém (séc. IV) sobre a ação do Espírito Santo em nossa missão evangelizadora:

“Branda e suave é a Sua aproximação; benigna e agradá­vel é a Sua presença; levíssimo é o Seu jugo! A Sua chegada é precedida por esplêndidos raios de luz e ciência. Ele vem com o amor entranhado de um irmão mais velho: vem para salvar, curar, ensinar, aconselhar, fortalecer, consolar, ilu­minar a alma de quem o recebe, e, depois, por meio desse, a alma dos outros.”

 

 

 

PS: Fonte - Missal Cotidiano - Editora Paulus - pp.1224-1225

 

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