Deus coloca em nós o Seu afeto
Acolhamos um trecho do pequeno do Tratado de Guilherme, (Abade Mosteiro de Saint-Thierry), sobre a contemplação de Deus.
“Somente Vós sois realmente Senhor, Vós para quem dominar sobre nós é salvar-nos; enquanto, para nós, servir-Vos nada mais é do que ser salvos por Vós.
Senhor, de Vós procede a Bênção e a salvação para Vosso povo. Mas que salvação é esta senão a graça que nos concedeis de Vos amar e de ser amados por Vós?
Por isso, Senhor, quisestes que o Filho que está à Vossa direita, o homem que fortalecestes para Vós, fosse chamado Jesus, isto é, Salvador: pois Ele vai salvar o povo de seus pecados (Mt 1,21) e em nenhum outro há salvação (At 4,12).
Ele nos ensinou a amá-Lo, ao nos amar primeiro e até à morte de Cruz. Por Seu Amor e Sua dileção, suscita nosso amor por Ele, que nos amou primeiro e até o fim.
Foi assim mesmo: Vós nos amastes primeiro para que: Vos amássemos. Não tínheis necessidade de ser amado por nós, mas não poderíamos atingir o fim para o qual fomos criados se não Vos amássemos.
Eis por que, tendo falado outrora a nossos pais muitas vezes e de muitos modos por intermédio dos Profetas, nestes últimos tempos nos falastes pelo Vosso Filho, pelo Vosso Verbo; por Ele é que os céus foram criados, e pelo sopro de Seus lábios, todo o universo (Sl 32,6).
Para Vós, falar por meio do Vosso Filho não foi outra coisa senão trazer à luz do sol, isto é, manifestar claramente o quanto e como nos amastes, Vós que não poupastes Vosso próprio Filho, mas o entregastes por todos nós. E Ele também nos amou e Se entregou por nós.
É essa, Senhor, a Palavra que nos dirigistes, o Verbo Todo-Poderoso. Quando todas as coisas estavam envolvidas no silêncio (cf. Sb 18,14), ou seja, nas profundezas do erro, Ele desceu do Seu trono real (Sb 18,15) para combater energicamente todos os erros e fazer triunfar suavemente o Amor.
E tudo o que Ele fez, tudo o que disse na terra, até aos opróbrios, até aos escarros e às bofetadas, até à Cruz e à sepultura, não foi senão a Palavra que nos dirigistes em Vosso Filho, suscitando pelo Vosso Amor o nosso amor por vós.
Bem sabíeis, ó Deus, Criador dos homens, que este amor não pode ser imposto, mas que é necessário estimulá-lo no coração humano. Porque onde há coação não há liberdade, e onde não há liberdade também não há justiça.
Quisestes assim que Vos amássemos, pois não poderíamos ser salvos com justiça sem Vos amar; e não poderíamos amar-Vos sem receber de Vós esse Amor.
Por isso, Senhor, como diz o Apóstolo do Vosso Amor e nós também já dissemos, Vós nos amastes primeiro; e amais primeiro todos os que Vos amam.
Nós, porém, Vos amamos com o afeto do amor que pusestes em nós. Mas Vosso Amor, Vossa bondade, ó sumamente bom e sumo bem, é o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho.
Desde o princípio da criação Ele pairava sobre as águas, isto é, sobre os espíritos indecisos dos filhos dos homens; Ele se oferece a todos, atrai tudo a Si, inspirando, encorajando, afastando as coisas nocivas, providenciando as úteis, unindo Deus a nós e unindo-nos a Deus.” (1)
Refletir sobre o Amor de Deus, que nos amou primeiro, traz sempre deleite para alma e nos faz mais humanos e mais solícitos para com o próximo.
O Abade nos apresenta uma face tão bela do Deus da Sagrada Escritura, por vezes, tão diferente da habitualmente concebida por alguns.
Deste modo, Deus é nos apresentado com um rosto luminoso e um coração inflamado de Misericórdia, que coloca todo Seu afeto em nós, e quer tão apenas estabelecer conosco, feitos à Sua imagem e semelhança, uma relação de amor, amizade e intimidade.
Este amor tão bem descrito no Livro do Cântico dos Cânticos:
“Coloca-me, como um selo sobre teu coração, como um selo em teu braço. Pois o amor é forte, é como a morte, o ciúme é inflexível como o Xeol.
Suas chamas são chamas de fogo uma faísca de Javé. As águas da torrente jamais poderão apagar o amor, nem os rios afogá-lo.
Quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o amor... Seria tratado com desprezo” (Ct 8, 6- 7).
Vivendo o Tempo do Advento, preparemo-nos; façamos progressos espirituais, maiores ainda, para que sejamos mais luminosos e misericordiosos ao celebrarmos o Natal. Afinal, fomos feitos à imagem e semelhança de Deus.
(1) Liturgia das Horas - Segunda-feira da terceira Semana do Advento.
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