Terra, teto e trabalho para todos!
Retomemos a
síntese do discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Encontro
Mundial de Movimentos Populares, sobretudo quando defrontamos com graves
problemas sociais que afligem o mundo.
Para o Papa, o encontro de Movimentos
Populares é um grande sinal: “Vocês
vieram colocar na presença de Deus, da Igreja, dos povos, uma realidade muitas
vezes silenciada. Os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra
ela!”
Sobre os movimentos populares, disse: “não se contentam com promessas ilusórias,
desculpas ou pretextos. Também não estão esperando de braços cruzados a ajuda
de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam,
chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar”.
Sobre a palavra “Solidariedade”, conceitua:
ela não é uma palavra e nem alguns atos de generosidade esporádicos.
A solidariedade “é pensar e agir em termos de comunidade, de
prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns.
Também é lutar contra as causas estruturais
da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de moradia, a
negação dos direitos sociais e trabalhistas.
É enfrentar os destrutivos efeitos do
Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as migrações dolorosas, o
tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que
muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a transformar.
A solidariedade, entendida em seu sentido
mais profundo, é um modo de fazer história, e é isso que os movimentos
populares fazem”.
Vê no encontro a resposta para um anseio
muito concreto, o desejo de que todos tenham terra, teto e trabalho:
“Não se entende que o amor pelos pobres está
no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho – isso pelo qual vocês lutam –
são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a Doutrina Social da
Igreja.”
Sobre cada
anseio, discorre brevemente acenando para a gravidade e necessidade de
caminhos para superação, em sua defesa e promoção, a fim de que ninguém seja
excluído do sagrado direito aos três:
1 - A Terra: “Preocupa-me a erradicação de tantos irmãos
camponeses que sofrem o desenraizamento, e não por guerras ou desastres
naturais.
A apropriação de terras, o desmatamento, a
apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são alguns dos males que
arrancam o homem da sua terra natal.
Essa dolorosa separação, que não é só
física, mas também existencial e espiritual, porque há uma relação com a terra
que está pondo a comunidade rural e seu modo de vida peculiar em notória
decadência e até em risco de extinção.
A outra dimensão do processo já global é a
fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos,
tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de
fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro
escândalo.
A fome é criminosa, a alimentação é um
direito inalienável. Eu sei que alguns de vocês reivindicam uma reforma agrária
para solucionar alguns desses problemas, e deixem-me dizer-lhes que, em certos
países, e aqui cito o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, "a reforma
agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral" (CDSI,
300).
2 – O Teto: uma casa para cada família.
“Hoje há tantas famílias sem moradia, ou
porque nunca a tiveram, ou porque a perderam por diferentes motivos. Família e
moradia andam de mãos dadas.
Mas, além disso, um teto, para que seja um
lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente no bairro
onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a partir do mais
imediato, a partir da convivência com os vizinhos.”
Há eufemismos que escondem a triste realidade
(falta de moradia, injustiças, miséria, fome...). Atrás de cada eufemismo há um
crime, afirma o Papa.
“Vivemos em cidades que constroem torres,
centros comerciais, fazem negócios imobiliários... mas abandonam uma parte de
si nas margens, nas periferias.
Como dói escutar que os assentamentos pobres
são marginalizados ou, pior, quer-se erradicá-los! São cruéis as imagens dos
despejos forçados, dos tratores derrubando casinhas, imagens tão parecidas às
da guerra. E isso se vê hoje.”
Exorta que se favoreça para que todas as
famílias tenham uma moradia, e para que todos os bairros tenham uma
infraestrutura adequada (esgoto, luz, gás, asfalto, escolas, hospitais ou salas
de primeiros socorros, clube de esportes (e todas as coisas que criam vínculos
e que unem), acesso à saúde; à educação e à segurança, favorecendo a integração
autêntica e respeitosa, espaços de sadias convivências).
3 – O trabalho:
Para o Papa, não existe pior pobreza material
do que a que não permite ganhar o pão e, assim, privando da dignidade do
trabalho.
Menciona o desemprego juvenil, a
informalidade e a falta de direitos trabalhistas que não são inevitáveis,
porque são o resultado de uma prévia opção social, de um sistema econômico que
coloca os lucros acima do homem, se o lucro é econômico, sobre a humanidade ou
sobre o homem, são efeitos de uma cultura do descarte que considera o ser
humano em si mesmo como um bem de consumo, que pode ser usado e depois jogado
fora.
Lembra um ensinamento (aproximadamente ano
1200) que merece ser citado:
“Um rabino judeu explicava aos seus fiéis a
história da torre de Babel e, então, contava como, para construir essa torre de
Babel, era preciso fazer muito esforço, era preciso fazer os tijolos; para
fazer os tijolos, era preciso fazer o barro e trazer a palha, e amassar o barro
com a palha; depois, cortá-lo em quadrados; depois, secá-lo; depois,
cozinhá-lo; e, quando já estavam cozidos e frios, subi-los, para ir construindo
a torre.
Se um tijolo caía – o tijolo era muito caro
–, com todo esse trabalho, se um tijolo caía, era quase uma tragédia nacional.
Aquele que o deixara cair era castigado ou suspenso, ou não sei o que lhe
faziam. E se um operário caía não acontecia nada. Isso é quando a pessoa está a
serviço do deus dinheiro...”
Em seguida, fala da gravíssima cultura do
descarte de crianças, jovens e idosos.
Denuncia a existência
de uma terceira guerra mundial em cotas: “Há
sistemas econômicos que, para sobreviver, devem fazer a guerra.
Então, fabricam e vendem armas e, com isso,
os balanços das economias que sacrificam o homem aos pés do ídolo do dinheiro,
obviamente, ficam saneados.
E não se pensa nas crianças famintas nos
campos de refugiados, não se pensa nos deslocamentos forçados, não se pensa nas
moradias destruídas, não se pensa, desde já, em tantas vidas ceifadas. Quanto
sofrimento, quanta destruição, quanta dor.
Também aborda a questão da Paz e da Ecologia: “não pode haver terra, não pode haver teto,
não pode haver trabalho se não temos paz e se destruímos o planeta.
São temas tão importantes que os Povos e
suas organizações de base não podem deixar de debater. Não podem deixar só nas
mãos dos dirigentes políticos.
Todos os povos da terra, todos os homens e
mulheres de boa vontade têm que levantar a voz em defesa desses dois dons
preciosos: a paz e a natureza. A irmã mãe Terra, como chamava São Francisco de
Assis.”
Hoje, queridos irmãos e irmãs, se levanta em
todas as partes da terra, em todos os povos, em cada coração e nos movimentos
populares, o grito da paz: nunca mais a guerra!”
Denuncia um sistema econômico centrado no
deus dinheiro que também precisa saquear a natureza, saquear a natureza, para
sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente:
“As mudanças climáticas, a perda da
biodiversidade, o desmatamento já estão mostrando seus efeitos devastadores nos
grandes cataclismos que vemos, e os que mais sofrem são vocês, os humildes, os
que vivem perto das costas em moradias precárias, ou que são tão vulneráveis
economicamente que, diante de um desastre natural, perdem tudo”.
Anuncia a preparação de uma Encíclica sobre
Ecologia que vai aprofundar questões como estas que não nos permite
indiferença:
“Falamos da terra, de trabalho, de teto...
falamos de trabalhar pela paz e cuidar da natureza...
Mas por que, em vez disso, nos acostumamos a
ver como se destrói o trabalho digno, se despejam tantas famílias, se expulsam
os camponeses, se faz a guerra e se abusa da natureza?
Porque, nesse sistema, tirou-se o homem, a
pessoa humana, do centro, e substituiu-se por outra coisa. Porque se presta um
culto idólatra ao dinheiro. Porque se globalizou a indiferença! Se globalizou a
indiferença.
O que me importa o que acontece com os
outros, desde que eu defenda o que é meu? Porque o mundo se esqueceu de Deus,
que é Pai; tornou-se um órfão, porque deixou Deus de lado.”
Apresenta um guia de ação, um programa revolucionário:
as Bem-Aventuranças, (cf. Mt 5, 1-12; Lc 6, 20; Mt 25, 30-46).
É preciso promover a cultura do encontro que
é tão diferente da xenofobia, da discriminação e da intolerância, com o
necessário aprendizado do “caminhar juntos":
“A perspectiva de um mundo da paz e da
justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos exige
criar novas formas de participação que inclua os movimentos populares e anime
as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com essa torrente
de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do
destino comum. E isso com ânimo construtivo, sem ressentimento, com amor.”
Acena para que
não haja mais nenhuma família sem moradia, nenhum agricultor sem terra, nenhum
trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho
permite.
Finaliza dando a
bênção, exortando para que se siga na luta, e entrega uma recordação, alguns
rosários que foram fabricados por artesãos, papeleiros e trabalhadores da
economia popular da América Latina.
Convida-nos à
firme esperança, com renovados compromissos, sem desânimo e desilusão, a fim de
que todos tenham direito a terra, teto e trabalho.
Sejamos,
portanto, iluminados pela mensagem e nos unamos com todas as pessoas que não medem
esforços para que referidos direitos sejam alcançados, a fim de que tenhamos
uma nova realidade, sem marginalizações e exclusões, prefigurando o sinal do
Reino de Deus entre nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário